Devido a uma dívida histórica que chega a R$59 milhões, o Hospital São Vicente de Paulo, no município de Osório, corre o risco de encerrar atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), fechando a emergência e a ala obstétrica do hospital. Com uma despesa regular de R$ 3 milhões e receita na casa de R$ 1,7 milhão, o hospital acumula um déficit mensal de R$ 1,3 milhão.
Além destes valores, a entidade acumula dívidas desde 1998, entre parceladas e contas não pagas que incluem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ), Contribuição Social Líquida (CSLL), dívidas de consumo de energia – R$ 12 milhões do total —, e de água, entre outros.
O diretor-presidente do hospital, Marco Aurélio Pereira relata que, desde que a Associação Beneficente São Vicente de Paulo assumiu a instituição, em 2019, foi possível manter as contas estabilizadas e sem dívidas, mas que sempre teve a preocupação com um possível novo desequilíbrio entre receitas e despesas visto o histórico do hospital.
— A associação conseguiu segurar as pontas temporariamente através de repasses excepcionais que vieram durante a pandemia e que ajudaram a construir a gestão hospitalar até a presente data, como verbas do governo federal, emendas parlamentares, projetos, uma verba da prefeitura de Osório e, claro, o valor do contrato com o SUS — explica o presidente.
Atualmente, os setores que apresentam maior custo para o hospital são a emergência e a obstetrícia que, juntas, apresentam um déficit mensal de R$ 382 mil. Entre as possíveis soluções, Pereira ressalta que o ideal seria que todas as prefeituras dos municípios beneficiados pelo atendimento do hospital participassem de um rateio do valor, não sobrecarregando apenas a entidade. Atualmente, o hospital é referência para sete municípios do Litoral Norte: Osório, Tavares, Mostardas, Palmares do Sul, Capivari do Sul, Santo Antônio da Patrulha e Caraá.
— Fizemos reuniões e propusemos ratear proporcionalmente ao número de gestantes de cada município, pois temos esses dados fornecidos pelo SUS, mas houve uma negativa. Não querem ser parceiros nisso — conta o diretor-presidente, Marco Aurélio Pereira.
Próximos passos
Nesta sexta-feira (26), a diretoria do São Vicente de Paulo realiza uma reunião com o presidente do conselho consultivo do hospital para apresentar um estudo financeiro e expor as medidas a serem tomadas. Sendo aprovadas as medidas, na segunda-feira (29), será encaminhada uma notificação formal ao governo do Estado anunciando a decisão de que encerrará atividades do SUS na entidade, mantendo apenas atendimentos particulares e conveniados.
Ao realizar a notificação, o hospital também precisa comunicar demais órgãos – CCR Via Sul, Polícia Rodoviária Federal, Penitenciária Modulada Estadual de Osório, dentre outras — que encaminham pacientes ao hospital, para que redirecionem estes pacientes para outros hospitais do litoral norte Gaúcho. Após 60 dias, o hospital pode encerrar os atendimentos via Sistema Único de Saúde (SUS).
Para Marco Aurélio, fica a expectativa agora de que o governo do Rio Grande do Sul, ainda consiga encontrar uma solução para as finanças do hospital.
Inauguração da UPA de Osório gera impasses
Em 2020, a prefeitura de Osório inaugurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, o que prejudicou ainda mais as contas do hospital, que perdeu recursos. Segundo o diretor-presidente do Hospital São Vicente de Paulo, Marco Aurélio Pereira, por muitos anos, o hospital recebeu uma quantia mensal de R$ 850 mil mensais da prefeitura. Quando a UPA foi inaugurada, esse valor já havia sofrido uma grande queda, chegando a R$ 352 mil.
Com a abertura da unidade, a prefeitura deixou de fazer repasses para o hospital disponibilizando o valor integralmente à UPA, que não está devidamente credenciada junto ao governo federal para receber recursos da União. Com isso, desde março de 2020, o hospital sobrevive com o recurso do contrato do SUS e com os serviços conveniados prestados.
— Isso é um grande erro. Deveria ser prioridade da administração fazer este credenciamento que, infelizmente, até hoje e por ene motivos, não consegue credenciar. O município está deixando de receber R$ 400 mil por mês para financiar sua UPA e paga sozinho essa conta — diz Marco Aurélio.
Relações estremecidas
Para o prefeito de Osório, Roger Caputi, a situação é preocupante:
— O hospital de Osório é uma referência para a região e para os sete municípios que usufruem de sua estrutura. Infelizmente, aconteceram diversas situações que levaram o hospital a enfrentar essas dificuldades financeiras seríssimas. Esses R$ 59 milhões são frutos de muitos erros ao longo dos últimos anos.
Caputi explica que, em anos anteriores, a verba que era disponibilizada ao hospital era referente a compras de serviços da entidade para suprir demandas de urgência e emergência da população, sendo uma atribuição do município. Segundo o prefeito, houve divergências entre as administrações anteriores da prefeitura e da gestão do hospital, causando uma ruptura nas relações, que fez com que o município não utilizasse mais os serviços do hospital e sim da UPA.
— Seguimos conversando, pensando nos mais de 300 funcionários, mas não conseguimos um entendimento. Tentamos que o hospital aceitasse o gerenciamento da UPA, ou uma nova compra de serviços, mas não foi uma negociação viável. Temos buscado junto ao Estado ajuda para colocar essas contas em dia. Essa é a grande dificuldade que enfrentamos junto ao hospital — ressalta o prefeito.
No auge da pandemia, em 2021, a prefeitura aportou uma quantia de R$ 900 mil para ajudar a suprir a crise financeira em meio a difícil situação sanitária. Mas a falta de parceria entre município e instituição agravou a situação financeira do hospital.
— Nenhuma gestão anterior repassou recursos direto para o hospital, a lei veta isso. Fomos até o Tribunal de Contas esclarecer essa situação, que nos deixou claro que, por ser um hospital privado e filantrópico, não podemos repassar recursos para custeio — defende o prefeito.
Quanto à tentativa de negociação junto aos demais municípios, o prefeito Roger Caputi explica que foi formada uma comissão junto à Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte) para tentar mediar a situação, mas todos teriam demonstrado dificuldades e carências devido a pandemia. O prefeito ainda fala que as administrações municipais foram pegas de surpresa com essa conta significativa e sem previsão orçamentária, fazendo com todos ficassem resistentes.
Caso os serviços do SUS sejam realmente encerrados no Hospital São Vicente de Paulo, a população que precisar de atendimento deverá ser encaminhada para hospitais de outras cidades, conforme encaminhamento de cada administração municipal, como o Hospital de Santo Antônio da Patrulha, Hospital Tramandaí, Hospital Santa Luzia, em Capão da Canoa, ou, até mesmo, algum dos hospitais de Porto Alegre.
Com isso, todas as prefeituras se comprometeram em pressionar o Estado para ajudar o hospital São Vicente de Paulo a fim de evitar uma sobrecarga nas demais entidades.
Posicionamento da Secretaria de Saúde do RS
A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, por meio de nota a GZH, informou que há contrato vigente com o Hospital São Vicente de Paulo, mas sem posicionamento referente à crise financeira da instituição.
Confira a notá na íntegra:
O hospital de Osório possui contrato em vigência com o Estado do RS para prestação de serviços SUS. O contrato com Associação Beneficente São Vicente de Paulo de Osório, está vigente até de janeiro 2025. A SES/RS ainda não recebeu nenhum comunicado oficial do hospital.