O crescimento da fome nos últimos anos no Brasil fez com que a desnutrição entre crianças de zero a 19 anos aumentasse entre os anos de 2015 e 2021, afetando de forma mais grave os meninos negros. É o que aponta o Panorama da Obesidade de Crianças e Adolescentes divulgado na terça-feira (26) pelo Instituto Desiderata, organização da sociedade civil do Rio de Janeiro focada na saúde pública de crianças e adolescentes.
De acordo com o levantamento, o índice de desnutrição caiu de 5,2%, em 2015, para 4,8%, em 2018, aumentando a partir daquele ano em todos os grupos etários acompanhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2019, essa taxa subiu para 5,6%, atingindo 5,3%, em 2021.
A desnutrição entre meninos negros (pretos e pardos) foi dois pontos percentuais acima do valor observado entre meninos brancos, ampliando a diferença a partir de 2018. O ápice para esse grupo foi observado em 2019 (7,5%). Em 2020, o percentual foi 7,2% e, em 2021, 7,4%. Já entre os meninos brancos, a curva foi inversa, com redução do percentual da desnutrição a partir de 2019, quanto atingiu 5,1%, passando para 5%, em 2020, e para 4,9%, em 2021.
— Os meninos negros estão sendo mais afetados pela fome, pela desnutrição. A gente pode atribuir isso à desigualdade racial e de renda no Brasil. A gente sabe que a população negra ocupa as camadas mais pobres da sociedade, em detrimento da população branca, que ocupa outros grupos, como a classe média e classes mais altas — apontou o gestor de Projetos de Obesidade Infantil do Instituto Desiderata, Raphael Barreto, doutorando em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Obesidade e ultraprocessados
Elaborado a partir de dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) do Ministério da Saúde, gerados pelas unidades do SUS, o panorama mostra aumento da insegurança alimentar de 2015 a 2021, que além de observar o aumento da desnutrição, destaca outro ponto: o aumento da obesidade.
Segundo o levantamento, o excesso de peso vem crescendo em todos os grupos raciais, especialmente entre os meninos brancos. Em 2021, a condição de excesso de peso decorrente da má nutrição foi mais registrada entre meninos de cinco a nove anos de cor branca.
De acordo com Barreto, a explicação para isso é que, no placar da má nutrição produzido pela insegurança alimentar, os grupos mais vulneráveis não têm acesso ao mínimo, que são três refeições por dia, e passam por um quadro de fome e desnutrição. Já outros grupos que são afetados pela crise econômica e inflação, mas ainda conseguem comprar alimentos, em geral, ultraprocessados e açucarados, como macarrão instantâneo, salsichas, doces e sucos artificiais.
Segundo o gestor, o cenário pandêmico agravou as desigualdades sociais e tornou maior o quadro da obesidade também em função do distanciamento social, para além do ultraprocessados. Com a redução das atividades externas e o isolamento, as crianças e os adolescentes estiveram expostos a mais tempo de tela (computador, televisão ou celular), reduziram as atividades físicas e a ida à escola.
Da mesma forma, nos últimos sete anos, o consumo de alimentos ultraprocessados na faixa etária de dois a 19 anos superou 80%. Em 2021, 89% das crianças de cinco a nove anos relataram o consumo de, ao menos, um ultraprocessado no dia anterior à avaliação de acompanhamento no SUS.
Nesse sentido, o levantamento também mapeou a queda do consumo de feijão, considerado um marcador de alimentação saudável, fundamental para a prevenção da anemia por deficiência de ferro. De 2015 até 2020, o indicador referente ao consumo de feijão tinha valores acima de 80%. Em 2021, entretanto, a taxa diminuiu 30 pontos percentuais em todos os grupos etários de 2 a 19 anos, atingindo a marca de 54,5%.