Enquanto os Estados Unidos começaram a vacinação contra a covid-19 em crianças com menos de cinco anos nesta terça-feira (21), o Brasil segue sem perspectiva de quando essa faixa etária será contemplada pela imunização. Desde março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisa o pedido do Instituto Butantan para uso da CoronaVac em quem tem de três a cinco anos, mas ainda não há uma decisão.
À GZH, o Ministério da Saúde informou, também nesta terça-feira, que depende da Anvisa para se posicionar sobre o assunto, já que a agência é responsável por avaliar quais imunizantes podem ser usados no país. A Anvisa ainda não respondeu às solicitações da reportagem. No início de junho, a pedido do órgão regulador, representantes de sociedades médicas se comprometeram a elaborar um parecer para auxiliar na tomada de decisão (veja os detalhes abaixo).
Infectologistas consideram importante que a vacinação das crianças com menos de cinco anos seja autorizada, ainda mais com a retomada dos contatos sociais e com a desobrigação do uso das máscaras. Além disso, dados do Ministério da Saúde descartam qualquer argumento contra a imunização: enquanto mais de 1,5 mil crianças já morreram por causa da covid-19 no Brasil, as vacinas não estão relacionadas com nenhum óbito de pessoas com menos de 18 anos.
Embora a CoronaVac seja a única em avaliação pela Anvisa para uso nas crianças de três a cinco anos, a Pfizer também poderia ser aplicada nos pequenos – tem aprovação no Brasil para os maiores de cinco anos e foi autorizada para uso a partir dos seis meses até quatro anos nos Estados Unidos. Segundo o infectologista e pediatra Marcelo Otsuka, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), os dois imunizantes têm a seu favor diversos estudos que comprovam a eficácia e segurança para essas faixas etárias.
— A CoronaVac tem uma metodologia que já conhecemos há muito tempo, que tem mostrado uma resposta imunológica para crianças superior a adultos e a idosos. É uma vacina que já mostrou sua eficácia, e os efeitos adversos são inferiores se comparada a outras vacinas. Já a Pfizer é uma vacina de terceira geração, que a gente ainda não conhece tanto sobre sua metodologia, mas foram bilhões de doses aplicadas no mundo. Isso demonstra que é segura e eficaz, e pode ser feita na população pediátrica sem problema nenhum, tanto que foi autorizada pelas agências reguladoras dos Estados Unidos, sendo que os cuidados dessas agências americanas são até superiores que os da Anvisa — diz.
Outro ponto a favor da vacinação dos pequenos, lembra o infectologista Paulo Ernesto Gewehr Filho, do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, é que a contaminação pela covid-19 está associada a casos da síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P). É uma inflamação nos vasos sanguíneos que, embora rara, leva a um quadro de gravidade, em que é necessário hospitalização. De 1.781 casos confirmados no Brasil até o momento, 117 evoluíram para óbito, segundo o Ministério da Saúde.
Precisamos não só da autorização da Anvisa, mas também do incentivo do governo federal para que a vacina seja utilizada
MARCELO OTSUKA, MÉDICO PEDIATRA E INFECTOLOGISTA
— É como se fosse uma desregulação abrupta do sistema imunológico. A criança tem quadro de covid-19, às vezes leve, o que confunde os pais, e depois de semanas começa com febre e vômito. Pode ser a SIM-P. Ela bagunça o sistema imunológico da criança — diz.
Na avaliação de Gewehr Filho, o que também torna imprescindível que os menores de cinco anos sejam contemplados com a imunização é a volta às salas de aula somada com a desobrigação do uso das máscaras em todo o país.
— Em um contexto em que as escolas não obrigam mais as máscaras, e a ventilação, no inverno, não é adequada, a vacinação vai diminuir a contaminação — defende o médico.
Mas é preciso tomar cuidado para não colocar a escola como ambiente propício para a infecção das crianças, observa Marcelo Otsuka. Isso porque pode haver o entendimento equivocado de que é mais seguro mantê-las em casa. Segundo ele, é a socialização intensa dos adultos também pode resultar na contaminação dos pequenos:
— Estar na escola favorece a infecção, sim, mas as crianças se contaminam pela covid-19 por causa dos pais. Não é a escola. São os pais que precisam voltar a tomar os cuidados adequados para evitar a transmissão.
Na visão do infectologista, assim que a vacinação dos menores de cinco anos for autorizada no país, haverá outro desafio: um posicionamento claro do governo federal em favor da imunização das crianças contra a covid-19.
— Quando houve autorização para a vacinação dos cinco aos 11 anos, o governo fez o possível para mostrar que isso não era interessante. Precisamos não só da autorização da Anvisa, mas também do incentivo do governo para que a vacina seja utilizada. Hoje, temos várias crianças com câncer, problemas renais e outras comorbidades internadas pelo coronavírus. Esse tipo de propaganda contra a vacina é um absurdo — pontua.
Os trâmites da CoronaVac junto à Anvisa para vacinação infantil:
- 20 de janeiro de 2022 – Aprovado uso de CoronaVac a partir dos seis anos;
- 11 de março – Instituto Butantan encaminha pedido de ampliação da CoronaVac para faixa dos três aos cinco anos;
- 22 de março – Anvisa se reúne com especialistas para avaliar uso da CoronaVac para três a cinco anos;
- 14 de abril – Anvisa conclui que dados enviados pelo Butantan são insuficientes para a decisão sobre o uso da CoronaVac em crianças de três a cinco anos;
- 13 de maio - Butantan e Anvisa se reúnem para analisar os dados de eficácia da CoronaVac em crianças de três a cinco anos, mas, de acordo com a agência, as informações apresentadas não contemplam as exigências;
- 20 de maio - Nova reunião entre Anvisa e Butantan discute uso da CoronaVac nas crianças de três a cinco anos. No encontro, o laboratório apresentou dados de efetividade referente a vacinação da população pediátrica no Chile, que ainda deveriam ser submetidos formalmente à avaliação
- 8 de junho - Especialistas externos se reúnem com a Anvisa para tratar sobre os dados de eficácia e segurança da vacina CoronaVac para o público infantil. O grupo envolve representantes da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Eles teriam até o dia 17 de junho para encaminhar um parecer sobre o tema