O surgimento de casos de varíola dos macacos em países fora do continente africano tem deixado os órgãos de saúde em alerta desde a última semana. O que chama a atenção não é propriamente a gravidade da doença, mas a sua disseminação em países da Europa, América e Oceania, visto que a doença é endêmica em partes da África Ocidental e Central.
Até o último sábado (21), a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia sido notificada de 92 casos confirmados de varíola dos macacos e de 28 casos suspeitos, detectados em 12 países onde a doença não é endêmica. Esse número tende a ser ainda maior visto que, no domingo (22), a Argentina comunicou um caso suspeito em seu território — se confirmado, será o primeiro caso de varíola dos macacos na América Latina.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da rádio Gaúcha, desta segunda-feira (23) o médico geneticista Salmo Raskin, membro titular da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica e da Sociedade Brasileira de Pediatria, enfatizou que a infecção não é nova, mas que não se trata do mesmo vírus de varíola humana, erradicada há mais de 40 anos.
— É um vírus parecido com o vírus da varíola, mas obviamente não é igual. Até porque a varíola foi uma doença gravíssima, que matou centenas de milhões de pessoas durante um grande período de tempo. Ela foi erradicada do planeta. Em maio de 1980, foi declarada a erradicação da varíola, mas outros vírus parecidos com o dela, mas não tão graves, como esse vírus da varíola dos macacos, permaneceram circulando — explicou Raskin.
Apesar da diferença entre os vírus que são agentes das doenças, a vacina contra a varíola humana, aplicada no Brasil, em geral, em pessoas nascidas até o ano de 1979, confere um grau de proteção contra a varíola dos macacos, de acordo com o médico. Entretanto, os especialistas ainda não têm certeza de quanto é essa proteção.
— Essas pessoas estariam parcialmente protegidas. Eu digo parcialmente por quê? Porque não protege 100% e porque meio século se passou desde o momento que essas pessoas receberam a vacina. E nesse meio século, como a gente até aprendeu agora com a história da covid, vai caindo a proteção. Como a varíola deixou de ser um problema importante quando ela foi erradicada, não se fizeram mais estudos para ver se as pessoas que receberam essa vacina há 50 anos ainda têm anticorpos e células protetoras.
Transmissão, sintomas e mortalidade
Na entrevista, Raskin destacou que a doença se manifesta, primeiro, pela febre, dor de cabeça, dor nos músculos, dor nas costas, arrepios, cansaço e também pelo surgimento de linfonodos (ou ínguas). Esse último sinal chama a atenção por ser um dos sintomas que difere a varíola dos macacos da varíola humana.
— Alguns dias depois disso (dos primeiros sinais) vem um racho na pele, que geralmente começa na face e depois se espalha para o corpo todo, inclusive para os genitais. E aí essas lesões, durante um período, são contagiosas, e se você tocar você pode se infectar — explicou o profissional.
A transmissão, portanto, é feita pelo contato próximo com pessoas que estão cinfectadas, pelo toque de pele ou pelo contato com gotículas que a pessoa exala quanto tosse ou espirra. Quanto à mortalidade, a varíola dos macacos é "incomparavelmente menos grave" do que o vírus da varíola humana, de acordo com Raskin.
— Nos países que não têm detecção precoce, não tem capacidade de isolamento dessas pessoas e não tem tratamento, chega a ter uma taxa de mortalidade de 1%. É alta. Mas provavelmente nos países mais desenvolvidos a mortalidade vai ser muito menor do que 1% [...] Dentro dos casos da varíola dos macacos existem dois tipos. Uma é extremamente grave e que nos países da África há uma mortalidade de 10%. Mas não é essa que está circulando. Já está comprovado os casos que estão circulando são casos semelhantes, do ponto de vista da genética, ao vírus da Nigéria, que tem, lá na África ,uma taxa de mortalidade de 1%.
Vacina previne e trata
Para combater a doença, um dos tratamentos mais eficazes e disponíveis a fácil acesso é justamente a vacina, que também gera imunidade contra a infecção. De acordo com o médico, se aplicada a vacina nos primeiros dias após a contaminação, a possibilidade de avançar para um caso grave da varíola dos macacos é consideravelmente reduzida.
Embora somente uma parcela da população tenha recebido a vacina contra a varíola nas décadas passadas, o especialista acredita que, por enquanto, não se faz necessário vacinar a população em massa.
— Talvez (deveríamos) vacinar algumas pessoas que pudessem estar mais expostas, como profissionais de saúde que vão atender casos que sejam detectados no Brasil, pessoas do Brasil que trabalham, por exemplo, entre países da África, como militares. Poderia um pequeno grupo seleto ser vacinado como prevenção.