O surgimento dos primeiros casos suspeitos de varíola dos macacos no Brasil estimula perguntas sobre o alcance da doença. É tão perigosa quanto a covid-19? É possível que cause uma nova pandemia? Quem está protegido contra a doença? Há vacinas disponíveis contra o vírus?
Na segunda-feira (30), o Ministério da Saúde informou que investiga dois casos suspeitos da varíola dos macacos, um em Santa Catarina e outro no Ceará. Além desses, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) do Rio Grande do Sul confirmou que monitora a situação de um morador de Porto Alegre, que retornou de uma viagem ao exterior no início deste mês.
Na última atualização, na quinta-feira (26), a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou o registro de 257 casos de varíola dos macacos em 23 países fora da África, continente onde a doença é endêmica. Além disso, a organização investiga outros 120 casos. Não há registros de mortes até o momento.
Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que não há motivos para acreditar que os casos registrados no mundo nos últimos dias possam causar algo próximo ao vivenciado na crise sanitária do coronavírus.
— Estamos ressabiados com a covid, mas o temor de (que surja) uma pandemia está muito longe. Tudo o que faltava e falta contra a covid-19, nós temos sobrando em relação à varíola dos macacos. Ela não é tão transmissível quanto o vírus da varíola humana e é muito menos transmissível que o da covid — explica.
Sprinz acredita que quem foi imunizado com a vacina contra a varíola humana no passado (no Brasil, a campanha ocorreu entre as décadas de 1960 e 1970) terá alguma proteção contra a dos macacos, porque os vírus são parecidos. Para o professor, o registro de casos no Brasil é uma situação esperada por causa das viagens: em um mundo globalizado, no qual os indivíduos se deslocam, quando uma doença é registrada em um lugar, é grande a possibilidade de que casos ocorram em outros.
Histórico das varíolas
A varíola humana foi considerada erradicada em todo o mundo em 1980. No Brasil, uma campanha nacional de vacinação feita nas décadas de 1960 e 1970 garantiu ao país a certificação internacional da erradicação da doença em 1973. Desde então, não foram mais organizadas campanhas de imunização.
Especialistas buscam descobrir se as pessoas vacinadas contra a varíola humana no passado terão algum tipo proteção contra a varíola dos macacos. Esse ainda é um ponto sem consenso hoje, de acordo com Fernando Spilki, virologista e professor da Feevale.
— Quem tomou (a vacina contra a varíola humana), tomou há 50 anos. Não temos certeza se o nível de proteção ainda é o adequado do ponto de vista clínico. Alguma proteção pode ter ficado, mas, como (as pessoas vacinadas) não tiveram contato com o vírus, a tendência é que essa proteção tenha reduzido ao longo do tempo — pontua.
De acordo com virologista, existem tecnologias mais modernas para o combate à varíola dos macacos, mas não há estoques de imunizantes. Isso porque, nos últimos anos, não foi necessário vacinar a população devido à erradicação da doença em todo o mundo. E o cenário deve continuar o mesmo, pois nada justifica, neste momento, a produção em larga escala de vacina para combater os surtos, acrescenta o especialista.
— Não imaginamos uma disseminação tão ampla do vírus. É possível contornar essa crise sem que ela se torne uma pandemia ou que tenhamos grandes epidemias — finaliza Spilki.
O que é a varíola dos macacos
Também conhecida como ortopoxvirosis simia, a varíola dos macacos é uma doença que pode ser transmitida do animal para o homem e vice-versa. Os sintomas dela são parecidos aos da varíola humana: febre, dor de cabeça, dores musculares e dorsais durante os primeiros cinco dias. Depois, aparecem erupções no rosto, palmas das mãos e solas dos pés, lesões, pústulas (bolinhas com pus) e crostas.
A transmissão ocorre com o contato direto com sangue, fluidos corporais, lesões na pele ou membranas mucosas de animais infectados. Também pode ocorrer transmissão entre humanos, que é mais rara, com o contato próximo com secreções infectadas das vias respiratórias, lesões na pele de uma pessoa infectada ou objetos recentemente contaminados com fluidos biológicos ou materiais das lesões de um paciente.
A varíola dos macacos foi identificada pela primeira vez em humanos em 1970 na República Democrática do Congo. Desde 1970, foram registrados casos humanos de ortopoxvirosis simia em 10 países africanos. No início de 2003, também foram confirmados casos nos Estados Unidos, os primeiros fora do continente africano.