Após analisar 43 artigos científicos que descrevem os impactos da covid-19 em atletas, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que, embora a doença seja assintomática ou leve na grande maioria dos casos (94%), algo em torno de 8% dessa população desenvolve sintomas persistentes, que podem afetar o desempenho e até mesmo retardar o retorno aos treinos e competições.
Ao todo, foram analisados dados de 11,5 mil atletas, incluindo amadores e profissionais de alto rendimento. O trabalho contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e os resultados foram divulgados na sexta-feira (27) no British Journal of Sports Medicine.
– Estudamos tanto o quadro agudo da doença, buscando avaliar as manifestações e a gravidade, como também os sintomas persistentes, registrados depois que o vírus já havia sido eliminado do organismo. É algo um pouco mais abrangente do que aquilo que se convencionou chamar de covid longa – explica Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenador da investigação:
– Trata-se de um verdadeiro compêndio sobre o tema, que pode orientar profissionais de saúde que trabalham com essa população.
De acordo com o artigo, 74% dos atletas apresentaram sintomas na fase aguda, sendo os mais comuns anosmia/ageusia (46,8%), febre/calafrio (38,6%), dor de cabeça (38,3%), fadiga (37,5%) e tosse (28%). Somente 1,3% evoluiu para a forma grave da doença.
Gualano ressalta que o índice de casos graves é semelhante ao observado na média da população. Já o percentual de casos assintomáticos é mais difícil de ser comparado.
– Muitos infectados com sintomas leves passam despercebidos na população em geral. Já entre os atletas, que passam por avaliações frequentes, esses casos tendem a ser mais diagnosticados – diz.
Na avaliação do pesquisador, os achados mais inovadores da pesquisa se referem ao que ocorre após a fase aguda. Entre 3,8% e 17% dos atletas (intervalo de confiança com valor médio de 8%) desenvolvem sintomas persistentes, entre eles anosmia/ageusia (30%), tosse (16%), fadiga (9%) e dor no peito (8%).
– Observamos que 3% desenvolvem intolerância ao exercício. Não é algo grave, que ameace a vida, mas no contexto esportivo pode ser um problema. No caso dos atletas de elite, qualquer diferença na preparação pode determinar quem sobe ao pódio, tamanha a concorrência – comenta Gualano.
Protocolos personalizados
Os protocolos adotados pelas confederações esportivas em geral autorizam o retorno à prática cinco dias após o início dos sintomas causados pelo SARS-CoV-2. Na avaliação de Gualano, porém, o estudo mostra que nem todos os atletas estarão aptos a retomar o treinamento nesse período:
– O ideal é o atleta passar por uma avaliação criteriosa e, em caso de sintomas persistentes, talvez seja necessário modular a carga ou até mesmo adiar o retorno até que o quadro se resolva.
Embora estudos anteriores tenham sugerido que a covid-19 aumentaria o risco de miocardite nessa população, a revisão conduzida pelo grupo da FM-USP não confirmou a hipótese.
– Nos estudos em que havia algum tipo de grupo-controle não foi possível observar uma relação de causalidade entre a infecção e o problema cardíaco. Uma possibilidade é que os atletas já tivessem miocardite, que só foi descoberta por causa dos exames de imagem feitos após a COVID-19. Porém, a ausência de evidência não significa que essa relação não exista. Mais estudos devem ser feitos a respeito – diz.
Gualano aponta outras lacunas nesse campo do conhecimento que ainda precisam ser preenchidas por futuras pesquisas. Uma delas é o impacto da ômicron e suas subvariantes nos esportistas, uma vez que a maioria dos artigos é anterior ao surgimento das novas cepas do SARS-CoV-2.
– Aparentemente, um número menor de atletas tem nos procurado com sintomas persistentes, mas não sabemos se é por causa da variante, da vacinação ou da imunidade prévia. Também não conhecemos a resposta vacinal às subvariantes da ômicron. Precisamos continuar estudando os atletas nesse novo contexto da pandemia – argumenta.