Em 159 dos 497 municípios gaúchos, é possível colocar a máscara no bolso e circular por qualquer ambiente com segurança: neles, os casos de covid-19 foram oficialmente zerados na última semana, mostra análise de GZH sobre dados desta sexta-feira (15) da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
Em meio à alta vacinação, a melhora indica que o Estado caminha para um cenário no qual o coronavírus se tornará uma doença endêmica – isto é, seguirá presente, mas em índices mais controlados, de forma a afetar menos a vida da população.
GZH analisou estatísticas enviadas pelas prefeituras ao governo estadual e filtrou os municípios onde o último caso de covid-19 foi registrado na sexta-feira passada (8) – de forma a totalizar sete dias de recuperação, tempo de isolamento preconizado pelo Ministério da Saúde, até esta sexta-feira (15). Alguns municípios podem estar com casos ativos neste momento, mas não os informaram ainda ao Piratini.
Em Guarani das Missões, município de 7,4 mil habitantes na região missioneira, o último caso de covid-19 foi registrado na sexta-feira passada. O secretário municipal da Saúde, Nilo Joel Kornowski, afirma que a prefeitura vê o indicador com bons olhos, principalmente depois do grande número de infecções registrado no início de 2022.
— Isso é resultado de um trabalho conjunto da equipe da Secretaria Municipal de Saúde, dos funcionários das unidades básicas de saúde e da conscientização da população, que sabe que deve se proteger e se cuidar, mesmo com a liberação das máscaras, porque é uma situação bem delicada, mas que está passando graças ao empenho de todos — comenta.
Com pouco mais de 6 mil habitantes, Cândido Godói também não registrou novos casos na última semana. De acordo com o prefeito Valdi Luis Goldschmidt, há quase dois meses a vida social voltou à normalidade no município e não houve aumento nas contaminações ou internações, o que ele considera um indicativo de que a pandemia está controlada localmente. Mesmo assim, ressalta que a prefeitura continua estimulando a vacinação para todos os grupos.
— Eventualmente, podem surgir novos casos, mas é normal. De momento, entendo que a situação está sob controle e, se tiver alguma contaminação, conseguimos fazer um acompanhamento melhor — diz Goldschmidt.
Com o avanço da cobertura vacinal, a gente tende a voltar a um patamar muito tolerável. Teremos uma gangorra (de aumento e diminuição de casos), movida pela cobertura vacinal na população desses municípios
RICARDO KUCHENBECKER
Médico epidemiologista no Hospital de Clínicas e professor de Epidemiologia na UFRGS
Já Glorinha, na região metropolitana de Porto Alegre, não tem novas infecções por coronavírus desde março, informa o prefeito do município, Paulo Corrêa. No início deste ano, a cidade chegou a registrar cerca de 20 casos positivos por dia, mas sem óbitos ou internações por estado grave. Para Corrêa, o atual cenário é consequência da vacinação contra a covid-19 e traz alívio depois de dois anos conturbados:
— Como gestor do município, me sinto aliviado porque em março de 2021 tivemos muitos casos graves, com hospitalizações, e não conseguíamos hospital para atender todo mundo. Depois, no começo deste ano, os postos ficaram cheios de novo e isso foi um desgaste muito grande. Então, agora, me sinto bem mais aliviado e tranquilo.
Segundo analistas, a principal razão para que um terço do Rio Grande do Sul esteja sem casos de coronavírus na última semana é a alta cobertura vacinal. A ciência já sabe que vacinados, uma vez infectados, ficam com quantidade reduzida de vírus e transmitem menos e por menor tempo, o que contribui para conter o avanço do Sars-CoV-2.
Até a manhã desta Sexta-Feira Santa (15), 78,6% de toda a população gaúcha tomara duas doses contra a covid-19, índice considerado elevadíssimo – superior a Reino Unido e Alemanha e próximo ao da França.
Na dose de reforço, a cobertura vacinal é mais baixa, de 48% dos habitantes do Rio Grande do Sul, taxa próxima à do Canadá – o governo gaúcho estabeleceu nesta semana que o esquema completo de vacinação necessita de três doses, e não duas, movimento adotado também internacionalmente. Até o momento, 703 mil gaúchos estão com a segunda dose atrasada e 2,9 milhões, com a terceira.
— Com um terço do Estado sem casos ativos neste momento, conseguimos dizer que chegamos a um momento de dominar a covid-19. Mas temos que incentivar duas e três doses para todos. Poderemos dizer que o Estado está em endemia quando tivermos acima de 50% dos municípios com número de casos zerados. A vacina nos deu essa possibilidade e é o que vai permitir que a gente declare o fim da pandemia no mundo — diz Diego Espindola, secretário-executivo do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS).
Até o surgimento da variante Ômicron, vacinas impediam casos graves e infecção. Com a cepa em circulação, vacinados seguem protegidos contra hospitalização e morte, mas o vírus contorna as defesas contra infecções leves, o que impede a possibilidade de eliminar o Sars-CoV-2 da sociedade.
Poderemos dizer que o Estado está em endemia quando tivermos acima de 50% dos municípios com número de casos zerados. A vacina nos deu essa possibilidade e é o que vai permitir que a gente declare o fim da pandemia no mundo
DIEGO ESPINDOLA
Secretário-executivo do Cosems-RS
Mas isso não impede que o cenário seja controlado, em direção a um novo normal. Algumas cidades gaúchas viraram a página da pandemia há algum tempo. Em Barra do Rio Azul, Nicolau Vergueiro e Ponte Preta, nenhum caso de covid-19 foi registrado há cerca de dois meses. Em Caseiros, Porto Vera Cruz e Inhacorá, faz mais de um mês que ninguém é contaminado.
— Esses casos registrados são apenas das pessoas que identificam sintomas, buscam teste e o sistema de saúde fica sabendo. Dito isto, essa tendência é esperada e representa o processo no qual a pandemia caminha, em nosso Estado, para endemia. Com o avanço da cobertura vacinal, a gente tende a voltar a um patamar muito tolerável. Teremos uma gangorra (de aumento e diminuição de casos), movida pela cobertura vacinal na população desses municípios — diz Ricardo Kuchenbecker, médico epidemiologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor de Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para Alessandro Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI) e chefe do Serviço de Infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o Rio Grande do Sul está em novo momento da covid-19: deixou para trás o grande pico de novos casos observado entre janeiro e fevereiro. Segundo o médico infectologista, as vacinas transformaram a covid-19 de doença letal em branda — o que já leva muitas pessoas a não testarem, impactando em consequente subnotificação.
— Estamos em fase muito mais tranquila da doença, e a previsão é que continue endêmica, presente em pequenas quantidades. Talvez até ocorram pequenas ondas, mas, em uma população vacinada, serão tão brandas que passarão quase despercebidas — destaca Pasqualotto.