As crianças são consideradas por especialistas da área da saúde o grupo mais vulnerável neste momento da pandemia no Brasil, especialmente as de zero a quatro anos. A faixa etária é a única que ainda não tem indicação de vacina contra a covid-19 no país. Os imunizantes da Pfizer e a CoronaVac são orientados, respectivamente, para quem tem acima de cinco e seis anos.
Em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia no país 14,7 milhões de crianças de zero a quatro anos e 20,5 milhões de cinco a 11 anos.
Conforme a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o Brasil registrou 1.544 mortes de crianças de zero a 11 anos por covid-19 desde o início da pandemia. Desse total, 324 tinham acima de cinco anos. A maioria das vitimas está na faixa de zero a quatro anos: 1.220 óbitos.
No Rio Grande do Sul, só em janeiro de 2022, foram quatro mortes de crianças de até 12 anos, mesmo número de fevereiro de 2021, momento mais crítico da pandemia no Estado. Neste começo de ano, as internações da faixa etária de zero a 12 anos também aumentaram, inclusive em UTI, como já percebido em hospitais como Clínicas, Conceição e Moinhos de Ventos.
Mas quais os motivos que levam a esse aumento de casos de covid-19 e internações de crianças? GZH elencou quatro razões apontadas por especialistas que ajudam a explicar este momento. Confira.
1. Vacinação a passos lentos
Conforme médicos e infectologistas, a vacinação, aliada a medidas de proteção, como uso de máscara, por exemplo, é a estratégia mais eficaz no controle da pandemia, sendo, inclusive a única forma de proteger quem ainda não tem imunizante disponível. A lenta campanha de vacinação para aqueles que já podem receber uma dose também é apontada como motivo para o aumento das internações de crianças. O RS, por exemplo, não tem 10% das crianças vacinadas.
— Atendemos diariamente 600 crianças, sendo 200 na emergência e 400 no ambulatório. Percentualmente, é pequeno o número de crianças internadas. Porém, houve um crescimento importante desses indicadores na população pediátrica e a explicação é que as crianças ainda não estão vacinadas e a nova cepa (Ômicron) é transmitida muito rápido — destaca Lúcia Osório, gerente da Unidade de Internação do Hospital da Criança Conceição.
2. Ômicron, uma variante mais transmissível
A chegada da variante Ômicron, embora menos agressiva, é mais transmissível e capaz de romper a barreira de proteção das vacinas. Com isso, a nova cepa provocou uma escalada de contágio sem precedentes em todo o mundo, atingindo todas as faixas etárias, sem distinção. O problema é que, sem vacina ou apenas com uma dose – a proteção maior se dá após 15 dias da segunda injeção –, as crianças se tornaram alvo fácil para o coronavírus.
3. Sistema imunológico imaturo
Segundo Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da SBP, o sistema imunológico das crianças de zero a quatro anos é mais imaturo e não responde às infecções como o de crianças maiores. Por isso, as crianças menores estão em maior risco e se faz tão necessária a vacinação de quem já é elegível.
— A covid matou mais crianças no Brasil do que todas as doenças do calendário de vacinação juntas, como sarampo e meningite. [...] Além disso, não vacinamos as crianças apenas para evitar mortes. Imunizamos para diminuir as internações, evitar sofrimento, interromper a transmissão do vírus na sociedade.
4. Dificuldade de diagnóstico
A subnotificação também é um problema, explicado, por vezes, pela similaridade dos sintomas de covid com outras infecções virais, comuns na infância. Porém, sem diagnóstico e acompanhamento adequados, o quadro pode se agravar, exigindo uma internação.
— Muitas vezes, o sintoma de covid nas crianças é a diarreia, dor abdominal, tosse, não tendo muitas vezes alguns sintomas clássicos como febre, falta de ar – explicou à Folha de S.Paulo a médica epidemiologista Fatima Marinho.
Efeito da pandemia em crianças em adolescentes
Para além dos efeitos diretos, que dizem respeito às manifestações clínicas da covid-19, a pandemia também impacta de forma indireta na infância. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez um guia, no qual alerta para vários pontos a serem tratados.
- Prejuízos no ensino, na socialização e no desenvolvimento.
- Afastamento do convívio familiar ampliado, com amigos e com toda rede de apoio agravando vulnerabilidades.
- Estresse (e sua toxicidade associada) afeta enormemente a saúde mental de crianças e adolescentes, gerando um claro aumento de sintomas de depressão e ansiedade.
- Aumento da violência contra a criança, o adolescente e a mulher, e a consequente diminuição da procura pelo atendimento aos serviços de proteção.
- Queda na cobertura de programas de triagens universais, como o teste do pezinho.
- Aumento da epidemia de sedentarismo e obesidade.
- Exagero no uso de mídias/telas, como televisão, computadores, tablets e smartphones.
- Crianças e adolescentes sofrem as consequências do enorme impacto socioeconômico nas famílias, com aumento do desemprego e impossibilidade de trabalho para serviços não essenciais.
- Aumento da fome e do risco alimentar em parte pelo fechamento das escolas e das creches além de perdas nas receitas familiares.