O elevado número de turistas nas praias gaúchas durante as festas de fim de ano já está refletindo de forma negativa nos serviços de saúde e nos dados da pandemia do Litoral Norte. Nas últimas semanas, quatro municípios da região registraram um aumento significativo de novos casos de covid-19 e, sobretudo, na procura por atendimento médico devido a sintomas respiratórios e por testes.
Em Capão da Canoa, a média de consultas diárias pulou de 40 para cem, na comparação entre o início de dezembro e os primeiros dias deste ano. De acordo com o secretário municipal de Saúde, Josiel Matos, a taxa de casos confirmados, que estava estabilizada, também começou a aumentar na última semana, chegando a 30% — há um mês, era de apenas 4%.
O secretário comenta que, entre os infectados, a grande maioria não é morador de Capão da Canoa. Desde 23 de dezembro, mais de 200 turistas testaram positivo após fazer o exame no município e, dos pacientes que procuram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), cerca de 80% são de outras cidades.
— Isso acaba sobrecarregando o nosso sistema. A disseminação, de 10 dias para cá, foi muito rápida, imaginamos um crescimento progressivo, mas foi muito além do esperado com o pessoal que veio para cá a partir do dia 24 — relata Matos, ressaltando que essa elevação não impactou no número de internações por covid-19 na cidade e que profissionais serão contratados para tentar absorver a nova demanda.
Nesta segunda-feira (3), a reportagem de GZH visitou a Unidade de Pronto-Atendimento 24h de Capão da Canoa, responsável por atender casos suspeitos de covid-19 na rede pública, e mais de 20 pessoas aguardavam do lado de fora do prédio somente no local destinado à doença. A partir da rua, era possível ver o telão do lado de dentro, que a todo o momento indicava a chamada de novos pacientes para testes.
A enfermeira Thayra Abadie, 28 anos, chegou com a mãe Teresinha, 58, por volta das 11h. Pouco depois das 15h30min, ela ainda aguardava atendimento.
— Minha mãe já alcançou os 39°C de febre duas vezes. Estamos aguardando atendimento para ela, mas nunca é chamada, só passou pela triagem. Ela está com sintomas gripais. Eu não estou, mas estou aqui no meio para não deixá-la sozinha — conta.
A procura pelos exames na rede privada também tem sido grande. Na Vidamed, clínica que atende pacientes via convênios ou de forma particular, quase 200 testes foram feitos na última semana, entre covid-19 e influenza, conforme o médico e proprietário Rodney Zinn de Carvalho. Os testes rápidos acabaram no último sábado (1º) e seguiam em falta na tarde desta segunda, mas ainda era possível fazer o PCR pela Unimed.
— Vemos casos positivos de famílias inteiras, grupos de amigos que foram para festas. A maioria das consultas aqui é por síndrome gripal. Mas são casos de menor gravidade por conta da vacinação, já que a maior parte dos pacientes estava vacinada — relata.
Situação se repete em outras cidades
Em Imbé, entre 1° e 15 de dezembro, o Centro de Atendimento para Enfrentamento à Covid-19 atendeu 388 pessoas. Já na segunda quinzena do mês, o número de atendimentos mais que dobrou: 884. Caroline Pimenta, chefe da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Imbé, explica que esses números se referem aos atendimentos de todas as pessoas que procuram a unidade de referência do município com sintomas de covid-19 ou já diagnosticadas com a doença, sejam residentes de Imbé ou não.
Ela afirma que os dados são impactados pelo período do ano, já que a cidade tem um aumento populacional sazonal, esperado e influenciado tanto pelo verão quanto pelas festas de Natal e Ano-Novo. O preocupante, segundo Caroline, é o número de casos positivos (total e ativos), pois consideram apenas os moradores de Imbé. Na comparação entre a primeira e a segunda quinzena de dezembro, a quantidade de novos casos de covid-19 no município também duplicou.
— Tivemos 21 novos casos na primeira quinzena, de moradores de Imbé, e, na segunda, 43. Então, com certeza, esse aumento da movimentação no Litoral também impacta na incidência de casos da população residente — afirma a chefe da Vigilância Epidemiológica.
Os primeiros dados de 2022 já servem de alerta. Na última sexta-feira (31), o município tinha em torno de 20 casos ativos e, nesta segunda, 36. Já em relação aos testes, o aumento é bastante significativo: na semana do Natal, eram feitos cerca de 20 exames diários e, na do Ano-Novo, esse número já havia subido para 40. Entre a véspera de Réveillon e domingo (2), foram 146 notificações de coletas.
Nos últimos 10 dias, profissionais de Xangri-Lá observaram a procura por atendimento nas unidades de saúde saltar de 45 para 150 (média diária). Assim como nos outros municípios do Litoral Norte, a maioria dos pacientes é turista e apresenta sintomas leves. William Silva, diretor técnico da Secretaria Municipal de Saúde, comenta que o aumento da demanda também é motivado pela falta de testes nas farmácias da cidade.
Antes das festas, eram feitos cerca de 10 exames por dia na rede pública. Entre o Natal e o Ano-Novo, esse número subiu para 40, mas com poucos resultados positivos. Na última semana do ano, entretanto, o cenário mudou: a média passou para 28 casos confirmados.
— Hoje fizemos mais de 150 testes e 170 consultas até as 18h. Entre os moradores de Xangri-Lá, foram 34 positivos e, entre veranistas, 62 — conta Silvana Spall, enfermeira da epidemiologia do município.
Na cidade de Tramandaí, as solicitações de atendimento aumentaram em torno de 200% a partir do Natal, afirma o coordenador da Vigilância em Saúde do município, Victor Ilha. A média de consultas foi de 40 para cem por dia na ala covid da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e de 50 para 120 por semana no serviço domiciliar de coronavírus, que faz visitas de segunda a sexta-feira. Salto semelhante foi reparado no serviço de testagem. Na primeira quinzena de dezembro, foram realizados 190 exames e, na segunda, 622.
— Temos visto um aumento significativo de casos positivos, mas com poucos sintomas. O aumento foi a partir do Natal, mas é algo gradativo, está subindo, não tem baixado — diz Ilha.
Questionada sobre o aumento na procura por atendimento e testes, a prefeitura de Torres não deu retorno até a publicação desta matéria.
Números não refletem nas internações
Nos hospitais do Litoral Norte, no entanto, não há crescimento no número de internações em leitos ou em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). No Santa Luzia, em Capão da Canoa, os casos de síndrome gripal aumentaram na emergência que atende via convênios, mas há apenas um caso suspeito de covid-19 em UTI e outro na enfermaria.
No Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, os números desta tarde apontavam sete pacientes internados com a doença. Já no Hospital Tramandaí, a Fundação Hospitalar Getúlio Vargas informou que havia dois casos suspeitos na UTI e um em leito de internação. Conforme o gerente administrativo, Roger Esteves, a demanda por atendimentos de pacientes com sintomas gripais aumentou após o Natal, mas sem impacto na internação — embora o Hospital Tramandaí espere uma procura ainda maior nos próximos dias.