Quase um mês depois do ataque cibernético que derrubou os sistemas do Ministério da Saúde, o principal deles ainda não voltou a funcionar. É a chamada Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), conhecida por ser a “plataforma-mãe” que reúne todas as informações registradas por estados e municípios na ponta do Sistema Único de Saúde (SUS).
Por isso, instituições que precisam dos dados do governo para fazer o monitoramento da pandemia da covid-19 não conseguem fazer a atualização dos números. Uma delas é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, que desde o dia 6 de dezembro não divulga novos boletins do InfoGripe, responsável por avaliar o cenário dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), entre elas, a da covid-19 e da influenza. O InfoGripe usa dados apenas do RNDS.
Já o ConecteSUS, aplicativo que mostra o registro da vacinação e de exames para coronavírus, não está sendo atualizado desde o dia 24 de dezembro, quando voltou a funcionar parcialmente após o ataque. E não será, até que a RNDS volte a funcionar.
O próprio LocalizaSUS, site do Ministério da Saúde para divulgação das informações da pandemia, também é afetado pela falha no sistema-mor da pasta, pois é abastecido e atualizado com as informações da Rede Nacional.
Na época do ataque, o Ministério da Saúde não informou que a Rede Nacional havia sido afetada. Disse apenas que “sofreu um incidente que comprometeu temporariamente alguns sistemas da pasta, como o e-SUS Notifica, Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), ConecteSUS e funcionalidades como a emissão do Certificado Nacional de Vacinação Covid-19 e da Carteira Nacional de Vacinação Digital, que estão indisponíveis no momento”, conforme nota enviada à imprensa no dia 10.
A informação foi confirmada por fontes para GZH. Nos bastidores, circula a informação de que a Rede Nacional possa voltar a funcionar na próxima semana ou ao longo do mês de janeiro.
Caso isso aconteça, quem tomou uma dose da vacina covid-19 durante o "apagão" dos dados da pasta, poderá ver o registro no ConecteSUS assim que a plataforma voltar a funcionar. Até lá, mesmo que a dose seja registrada no local da aplicação do imunizante, não aparecerá no aplicativo.
Nesta quinta-feira (6) a pasta enviou uma nota afirmando que os dados lançados após o dia 10 de dezembro ainda não constam nas plataformas, mas que gestores locais já podem registrar as informações. "Assim que a integração de dados for restabelecida, os registros poderão ser acessados pelos usuários", diz o comunicado (leia na íntegra no fim da reportagem).
Como funciona a RNDS
Visualmente, a RNDS é como se fosse uma grande caixa d’água. Nela, estão interligados 27 canos, que representam todas as unidades da federação. É por esses canos que os dados de registros de casos de doenças, exames e da vacinação, por exemplo, saem da ponta e são levados até a plataforma do governo federal.
Com o sistema em manutenção após o ataque hacker, os canos, que representam os Estados, estão “fechados”. Oficialmente, a pasta diz que todas as plataformas afetadas pelo ataque hacker foram restabelecidas, como o e-SUS Notifica, usado para registro dos casos e óbitos da covid-19 e de eventos adversos da vacinação, e o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), que compila os dados da vacinação em todo o país.
Porém, mesmo com o restabelecimento desses sistemas, com a RNDS ainda indisponível, os dados não conseguem passar pelos canos e chegar até a caixa d’água, onde são compilados e divulgados pelo governo federal.
Problema nos registros na ponta e atualização de segurança
Os dados oficiais começam a ser registrados na ponta, nas unidades de saúde localizadas nos municípios. As fichas são passadas para o computador, por profissionais de saúde que acessam a base de dados do Ministério da Saúde. Quando os sistemas da pasta saíram do ar devido ao ataque hacker, todos os registros tiveram que ser feitos do jeito antigo, à mão.
As plataformas nas bases, ou seja, nos Estados e municípios, até voltaram a funcionar antes do Natal. Porém, vários relatos apontam para um “apagão” nos registros desde então, um problema que não tem nada a ver com a RNDS, mas possui relação com mudanças de segurança feitas pelo Ministério da Saúde após a invasão cibernética.
Isso porque o governo enviou aos Estados novas linhas de transmissão, chamadas na área da informática de API (expressão inglesa Application Programming Interface). Com essa modificação, os sistemas nas bases precisam ser atualizados para funcionarem corretamente.
A situação instável, tanto nos sistemas locais como na Rede Nacional de Dados em Saúde, impede que se tenha real noção sobre o cenário atual da pandemia e a consequente tomada de decisão por parte das autoridades, provocando represamento dos registros de novos casos de síndromes gripais, além de hospitalizações e mortes, registradas pelo sistema Sivep-Gripe.
A Rede Análise Especial Covid-19, que também faz o monitoramento dos dados da pandemia no Brasil, é outra que reclama que está sem acesso aos dados do governo federal. Pelas redes sociais, eles chamam atenção para o cenário atual da doença, com considerável aumento no número de casos de coronavírus após o avanço da variante Ômicron e as festas de fim de ano.
“Se estes aumentos continuarem e chegarem a níveis altíssimos como estamos vendo nos EUA e na Europa, podemos ter, ainda, pressão no sistema hospitalar e também óbitos totalmente evitáveis. Para prevenir isso, precisamos entender a situação através dos dados!”, dizem os responsáveis.
GZH questionou o Ministério da Saúde sobre as instabilidades ainda presentes nos municípios e na RNDS. Em nota, a pasta afirmou que Estados e municípios já podem incluir dados nas plataformas e-SUS Notifica, SI-PNI e Conecte SUS e que eles poderão ser acessados pelos usuários "quando a integração de dados for restabelecida".
Confira a nota na íntegra:
O Ministério da Saúde informa que as plataformas e-SUS Notifica, SI-PNI e Conecte SUS foram restabelecidas há duas semanas, possibilitando a inclusão de dados por estados e municípios. Os dados lançados após o dia 10 de dezembro ainda não constam nas plataformas. Entretanto, todas as informações podem ser registradas pelos gestores locais e, assim que a integração de dados for restabelecida, os registros poderão ser acessados pelos usuários.