A realização de cirurgias eletivas foi severamente afetada durante a pandemia, e mutirões estão sendo realizados nos maiores hospitais do Rio Grande do Sul para tentar minimizar represamento de até 40% dos procedimentos não urgentes. Paralelamente, o governo do Estado prepara uma frente específica para o setor. Ainda em novembro, a Secretaria da Saúde (SES) deverá lançar um programa com recursos próprios para acelerar a realização de cirurgias eletivas em áreas com maior lista de espera, como intervenções cirúrgicas em oftalmologia e urologia.
— Será um dinheiro específico para mutirões nessas áreas com maior demanda. É um programa que deverá ser lançado no início de novembro — disse a secretária da Saúde, Arita Bergmann.
Com a retomada de todos os tipos de cirurgias não urgentes desde maio de 2021, a maioria das instituições hospitalares está apostando em forças-tarefas para zerar a fila — no entanto, em algumas especialidades precisarão de mais tempo. Somente no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), são cerca de 3,5 mil cirurgias represadas.
Na lista espera, Elizete Ribeiro Fogaça e o marido Valvite Padilha Fogaça, moradores de Torres, no Litoral Norte, esperam por operação oftalmológica. Eles já fizeram o primeiro procedimento, mas a longa espera para tratar o segundo olho vem trazendo desconforto nas atividades simples do dia a dia.
— Fiz a primeira (cirurgia de um dos olhos) porque não enxergava nada. Estou melhor, mas tenho que fazer outra. Estou trocando de óculos de tempos em tempos enquanto não consigo passar pela cirurgia de catarata. O marido também está esperando. Por conta da pandemia, me disseram que somente no ano que vem — disse a funcionária do setor de limpeza do posto de saúde do município do Litoral Norte.
Retomada dos procedimentos eletivos
Os dados das instituições hospitalares de referência demonstram queda entre 25% e 40% nas cirurgias, exames e consultas não urgentes na comparação entre o primeiro semestre de 2019 com o mesmo período de 2020. Já os primeiros seis meses de 2021 foram de retomada, mas com produção abaixo dos procedimentos realizados nos mesmos meses de 2020, justamente por englobar o crítico período da pandemia entre o final de fevereiro e abril desse ano. Naquele momento, a secretária estadual de Saúde, Arita Bergmann, em uma coletiva ao lado do governador, disse:
— Estamos apavorados.
O momento é totalmente diferente do cenário da coletiva de 25 de fevereiro. Atualmente, o Estado registra queda no número total de internações por casos de covid-19 em leitos e UTIs, a pandemia parece finalmente estar controlada, e os serviços cirúrgicos dos principais hospitais do Estado retomaram 100% da capacidade de ocupação.
No Complexo da Santa Casa de Misericórdia, houve redução de 25% no total de cirurgias eletivas entre o primeiro semestre de 2019 e o mesmo período de 2021. Neste ano, o fator que aumentou o impacto foi o intervalo de 45 dias sem realização de procedimentos não urgentes. Para minimizar o represamento de cirurgias eletivas, já foram realizados 12 mutirões envolvendo os serviços de urologia, dermatologia, ginecologia, gastroenterologia e cirurgia geral. Ao todo, 192 pessoas foram atendidas. Outro mutirão de operações urológicas pelo SUS está previsto para 6 de novembro.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que destinou 135 leitos de UTI e 82 de enfermaria nos momentos mais críticos da pandemia, tem cerca de 3 mil pacientes esperando por intervenção cirúrgica. O diretor médico substituto do Clínicas, Brasil Silva Neto, destaca que a instituição opera com 92% da capacidade de bloco cirúrgico e tem buscado formas para diminuir a espera.
Estamos realizando mutirões de cirurgias ambulatoriais aos sábados, visando diminuir essas listas
BRASIL SILVA NETO
Diretor médico substituto do Clínicas
— Estamos realizando mutirões de cirurgias ambulatoriais aos sábados, visando diminuir essas listas. Já fazíamos antes da pandemia, mas estamos expandindo a realização de cirurgias no terceiro turno (à noite). Já expandimos os atendimentos, mas a ideia é que possamos incrementar ainda mais essas práticas — ressalta.
Em todos os sábados, mutirões de procedimentos de baixa complexidade têm sido realizados, com revezamento entre as equipes, desde especialistas em intervenções oftalmológicas a operações cardíacas. De qualquer forma, estima-se que a normalização das listas vá demorar pelo menos um ano. Porém, conforme Brasil Neto, nas áreas de maior demanda como ortopedia, urologia e otorrinolaringologia, o tempo será ainda maior.
Em outra frente está o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que também é referência em procedimentos eletivos e que ainda tem leitos de UTI destinados ao atendimento de pacientes com covid. Em setembro, com a retomada de aproximadamente 90% da capacidade de atuação nas intervenções cirúrgicas não urgentes, as equipes do Conceição realizaram 1.111 cirurgias, sendo que 854 foram eletivas. Neste mês, o foco esteve no Outubro Rosa, com a realização de 450 mamografias, sendo que a média mensal é de 200 exames do tipo.
Ainda haverá mutirões neste sábado (30) e domingo (31). Serão realizados 50 exames na área da mastologia e 10 cirurgias. Na área de urologia, uma força-tarefa será realizada no primeiro final de semana de novembro.
Imaginamos que cerca de 20% dos procedimentos deixaram de ser realizados. Estamos pensando em aumentar ainda mais estes mutirões
CLÁUDIO OLIVEIRA
Diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC
— Imaginamos que cerca de 20% dos procedimentos deixaram de ser realizados. Estamos pensando em aumentar ainda mais estes mutirões, com terceiro turno ou ações nos finais de semana, para colocar essas listas em dia — ressalta o diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Cláudio Oliveira.
O Hospital São Lucas da PUC também registrou impacto significativo na realização de procedimentos eletivos. Na comparação entre o primeiro semestre de 2019 com o de 2021, a diminuição no total de cirurgias eletivas chegou a quase 50%, com 4,5 mil procedimentos que deixaram de ser realizados. A instituição informou que não estabeleceu mutirões, mas todos os tipos de cirurgias foram retomados.
Força-tarefa na Região Metropolitana
Na Região Metropolitana, Canoas está entre as referências na realização de procedimentos eletivos. O Hospital Nossa Senhora das Graças estabeleceu o terceiro turno em agosto, com cirurgias sendo realizadas até a madrugada e aos sábados.
Em Gravataí, o Hospital Dom João Becker realizou mutirões de procedimentos oftalmológicos e de hérnia. O próximo deverá contemplar cirurgias de vesícula. Segundo o superintendente da instituição, Antônio Wenston, os pacientes com consultas e cirurgias em atraso devem procurar informações no posto de saúde mais próximo.
Pelo menos 1.070 procedimentos cirúrgicos eletivos estão represados em São Leopoldo. Com isso, a Secretaria Municipal da Saúde e a Fundação Hospital Centenário anunciaram investimento de R$ 1,5 milhão na retomada dos mutirões de cirurgias eletivas. Estão inclusos no pacote procedimentos que envolvem vesícula, pedra nos rins, reconstrução mamária, entre outros. Ao todo, serão realizadas mais de 700 operações em moradores da cidade até o final do ano. Na sequência, outras 300 serão agendadas.
Em Novo Hamburgo, a prefeitura está realizando um processo licitatório para a contratação de serviços de realização de cirurgias eletivas, mas três tentativas não tiverem interessados. Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde informou que acelerar a realização de procedimentos cirúrgicos represados é uma preocupação, e a prefeitura “vem tentando incansavelmente contratar hospitais e/ou empresas especializadas para a efetuar futuros mutirões, porém esbarra na questão da pandemia e em três licitações desertas, ou seja, que não apareceram interessados”.