Liberados pela prefeitura de Bagé na sexta-feira (6), os eventos noturnos podem ser frequentados no município da região da Campanha por qualquer pessoa que tenha se vacinado com, pelo menos, uma dose de vacina contra a covid-19. A medida segue a linha proposta em outros países da Europa e nos Estados Unidos, de criar uma espécie de “passaporte covid”, ou “passaporte sanitário” para atividades como shows e festas, mas é vista com preocupação por especialistas em Epidemiologia e Infectologia, que consideram a abertura precipitada e arriscada.
O epidemiologista e professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alcides Miranda entende que ainda não é o momento de realizar eventos no Brasil.
— Alguns países tomaram essa medida porque têm uma cobertura vacinal razoável, embora a entrada da variante Delta faça com que repensem essas ações. O ingresso de uma variante nova pode repercutir de forma que, pelo bom senso epidemiológico, não seria razoável a realização de eventos — defende o docente.
Segundo a infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia Tânia Chaves, para que o "passaporte covid" não ponha em risco a população, seria necessário exigir pelo menos que o esquema vacinal estivesse completo há mais de duas semanas e, mesmo assim, a não contaminação não seria garantida.
— Nas Olimpíadas e na Copa América, com muitas pessoas vacinadas e com testagem dos participantes, já houve contaminação. Essa não é uma medida segura, pois não vai garantir que não haja transmissão, especialmente com uma só dose, já que, exceto a Janssen, todas as outras dependem de duas doses para a imunização — avalia a médica.
Mesmo com a imunização concluída, porém, a professora Eliana Wendland, do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), ressalta que o principal objetivo da vacina é reduzir o número de casos graves e óbitos pela doença. Ou seja: as pessoas seguem correndo o risco, após receber as injeções, de se contaminar e – ainda pior – transmitir a covid-19.
— No futuro, devemos chegar ao ponto de as pessoas se infectarem, mas ninguém mais morrer porque estarão vacinadas. O problema, neste momento, é o nível de vacinação que temos, porque ainda temos muitas pessoas não vacinadas e, portanto, suscetíveis a ter casos graves da doença — destaca Eliana.
Os especialistas projetam que o momento mais seguro de liberar os eventos seria quando fosse atingida a imunidade coletiva, ou “imunidade de rebanho”. Estudiosos costumam citar o índice mínimo de 70% da população com o esquema vacinal completo para atingir essa imunidade. Com a chegada da variante Delta, no entanto, a professora Eliana diz que esse percentual pode ser até mais alto.
— Precisamos de 80% a 90% de pessoas vacinadas, porque a Delta tem transmissibilidade maior, então a contaminação acontece mais rápido — explica a docente.
A infectologista Tânia concorda com Eliana e orienta que se dê um passo para trás e se entenda melhor a dinâmica da evolução dos casos relacionados à variante Delta antes de fazer novas flexibilizações. O professor Alcides Miranda aponta que já se sabe que a cepa é mais transmissível e ataca mais quem não está vacinado, mas que as complicações clínicas ainda estão sendo estudadas.
— Sempre vão surgir variantes. O problema é que o vírus está um passo à frente da gente porque demoramos a tomar as medidas necessárias, e a variante pode se disseminar sem que tenhamos condições de enfrentá-la — alerta Miranda.
Por outro lado, quando for o momento certo, o docente da UFRGS entende como justo que o poder público exija a vacina para que o cidadão circule por determinados ambientes.
— A pessoa que decide não se vacinar corre um risco individual, já que a maioria dos óbitos ocorre entre não vacinados, mas também gera um risco coletivo, já que ela circula e pode contaminar outras pessoas. Então, é correto que haja uma salvaguarda societária para evitar a circulação dessas pessoas — pontua o professor.
A visão de Miranda é diferente, por exemplo, da posição do prefeito de Porto Alegre. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta terça-feira (10), Sebastião Melo disse não ser contrário ao "passaporte sanitário", mas que a política do município é de convencimento das pessoas a tomarem a vacina.
— Quando tratamos de eventos, entendemos que em todo e qualquer evento de Porto Alegre a pessoa precisa ser testada. Também tenho feito diariamente, nos espaços em que eu circulo, o convencimento das pessoas de se vacinarem, porque entendo que a vacinação não é só uma questão individual, e sim, coletiva — relatou o prefeito da Capital.
Porto Alegre está com 80,5% da sua população com a primeira dose da vacina aplicada e 50,8% com o esquema vacinal completo, seja com a segunda aplicação ou com a injeção única da Janssen. A expectativa é disponibilizar o imunizante para todas as pessoas com 18 anos ou mais até o final de agosto.
Uruguai abrirá fronteiras em novembro para turistas vacinados
O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, anunciou na segunda-feira (9) que o país passará a receber turistas estrangeiros a partir de 1º de novembro. Será permitido o ingresso de todos os visitantes que estiverem imunizados e tiverem um teste PCR negativo. Em setembro, porém, estrangeiros que tenham imóveis em solo uruguaio já poderão passar pelas fronteiras se apresentarem essas mesmas comprovações.
Conforme o professor Alcides Miranda, o controle sanitário de fronteiras é uma medida secular de salvaguarda, em se tratando de doenças infectocontagiosas. A eficácia da ação, entretanto, depende de determinadas situações, como as características de cada epidemia e suas circunstâncias.
— No caso específico do Uruguai, no atual momento, a eficácia dependeria dos requisitos para tal passaporte sanitário. Por exemplo, mesmo pessoas imunizadas podem veicular contágios, a depender do tempo de contato — analisa o docente da UFRGS, que entende que a medida mitiga os riscos de eventuais contágios, mas não oferece garantia plena.
Hoje, o Uruguai tem 65,9% da população com o esquema vacinal completo, de acordo com o embaixador do Uruguai no Brasil, Guillermo Vales. A projeção é de que, em novembro, o índice tenha aumentado para 75%.