Para muitas pessoas que já venceram a batalha contra a covid-19, a luta continua contra uma das consequências mais recorrentes da doença: a queda dos fios de cabelo. A estimativa da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) é de que um em cada quatro pacientes que foram infectados pelo coronavírus e apresentaram sintomas, excluindo-se, portanto, os assintomáticos, apresenta queda de cabelo após a infecção. A tendência, contudo, é de retomada dos fios.
— É como se o organismo tivesse que concentrar suas forças em manter as funções vitais, e aí não sobra energia para crescer cabelo, crescer unha, hidratar a pele — afirma Analupe Webber, dermatologista e presidente da SBD no Rio Grande do Sul.
O que a ciência observou até o momento é que a covid-19 pode fazer com que os cabelos entrem em um estado de hibernação, parando de crescer, e depois caiam, dinâmica conhecida como eflúvio telógeno. Há diversas doenças e fatores que contribuem para o eflúvio, como situações de estresse, infecções, uso de medicamentos com corticoide, anemia, deficiência de vitaminas, perda de nutrientes e de massa corporal e até a troca de anticoncepcional.
— A queda de cabelo associada à covid-19 costuma ocorrer cerca de três meses após a infecção, podendo durar até seis meses. É uma das queixas mais frequentes entre os pacientes pós-covid e as mulheres são as que têm sofrido um impacto emocional maior por causa da queda — explica Raffaella Pessetto, especialista em dor e médica do Serviço de Recuperação Pós-Covid-19 do Hospital Mãe de Deus, ambulatório que trata dos efeitos deixados pela doença.
— Cada banho era um choro debaixo do chuveiro — lembra a massoterapeuta Karine Tomaz Moreira, de 42 anos, que passou 28 dias internada em Porto Alegre, vítima da covid-19.
Meses depois do término da infecção, veio o "baque na autoestima", como ela mesma define, ao ver seus fios começarem a cair. Karine foi diagnosticada com covid-19 no início de dezembro de 2020 e acredita ter contraído o vírus em uma visita ao hospital onde faz exames pelo menos uma vez ao mês, por ser transplantada renal. Há 13 anos, recebeu uma doação de rim de seu pai, após uma a doença chamada glomerulonefrite ter feito com que seus próprios rins parassem de funcionar permanentemente.
Ao longo das semanas de internação por causa da covid, o quadro clínico de Karine se deteriorou. Teve que lidar com piora no funcionamento do rim e com uma pneumonia, mas não precisou ser entubada: para auxiliar a respiração, passou 10 dias utilizando a máscara VNI, uma forma de ventilação mecânica não invasiva. Quando recuperou-se e teve alta, em janeiro, respirava com dificuldade e tinha pouca força para movimentar-se, mas se alegrava por estar em casa. E aí o cabelo começou a cair.
— Senti que começaram a cair uns cabelinhos, mas achei que fossem fios arrebentados por causa do elástico da máscara. Passaram-se três meses e aí tive uma queda absurda de cabelo. Caía em chumaços, como câncer, eu passava a mão e caia. Perdi cerca de 70% do cabelo, até que me cansei daquela tristeza e passei a máquina — conta a massoterapeuta, que gosta de cuidar da aparência e tinha cabelo comprido até o meio das costas.
De acordo com as especialistas ouvidas para essa reportagem, após o período de queda, que pode durar até seis meses, a tendência é de que os fios voltem a crescer, conforme a saúde do organismo for sendo restabelecida. A covid-19 não faz com que o número de folículos capilares diminua, logo o indivíduo poderá voltar a produzir a mesma quantidade de cabelos que tinha antes. Mas é um processo lento, ainda mais para quem já apresentava condições anteriores à covid que ocasionavam a perda dos fios.
— Há pessoas que já têm outros fatores para queda, como alterações hormonais, por causa da idade. Se o sujeito já tem tendência e soma-se a isso o eflúvio telógeno pela covid-19, pode ser que o crescimento do cabelo seja ainda mais lento — afirma Analupe.
Diagnóstico e tratamento
De acordo com Analupe, a recomendação é de que os pacientes que perceberem que seu volume capilar diminuiu muito após a infecção pelo coronavírus procurem um dermatologista, principalmente aquelas pessoas que já tinham tendência. A médica Rafaella recomenda também os centros especializados em pós-covid sejam procurados, já que estão acostumados a lidar com os efeitos tardios da doença e poderão fazer uma análise mais certeira da demanda do paciente e propor tratamentos para mitigar a queda e estimular o crescimento dos fios.
— A depender da indicação médica, há opções como reposição vitamínica, prescrição de medicamentos tópicos com corticoides, uso de vasodilatadores no couro cabeludo e outros — afirma Rafaella.
Durante o período de crescimento e recuperação dos fios, devem ser evitados tratamentos que agridem o cabelo e podem deixá-lo mais fino, como escova progressiva e descoloração (luzes). Também existem shampoos que deixam o fio mais encorpado e ajudam a dar volume, sem prejudicar a saúde do cabelo.
Neste julho, sete meses após o diagnóstico de covid-19, o cabelo da Karine está com dois centímetros e a queda diminuiu. Enquanto não recupera o comprimento ao qual estava acostumada, não vê problema em sair na rua mostrando o cabelo baixinho, mas também montou um pequeno arsenal de perucas.
— Tive que voltar para a hemodiálise pois perdi meu rim transplantado, que já não vinha bem, mas acredito que piorou após a covid. Já lidei com coisas muito difíceis na vida, então estou tirando de letra essa do cabelo. Hoje tenho três perucas, uma loira, uma morena e uma morena iluminada, com mechas. Vou usando elas como um acessório, quem me conhece sabe que estou quase careca e que não preciso esconder nada — conclui.