Após um ano monitorando o comportamento da pandemia pelo sistema de bandeiras, o governo do Estado se prepara para lançar um novo conjunto de indicadores do risco de contaminação por covid-19. A partir deste sábado (15), entra em vigor um modelo concebido para tirar as amarras da atividade econômica, concedendo maior autonomia aos municípios.
As novas regras deverão ser anunciadas pelo governador Eduardo Leite entre essa quinta (13) e sexta-feira (14). Criticado por prefeitos e associações empresariais, o mapa de distanciamento controlado será extinto, dando lugar a uma série de protocolos concebidos para tentar diminuir o contágio sem limitar o setor produtivo. Na prática, o Piratini não irá mais vetar o funcionamento de empresas, restringir horários ou proibir atividades. Caberá aos municípios ditar as regras, a partir de acordos regionais.
Técnicos do governo passaram a quarta-feira tabulando as últimas sugestões recebidas de entidades e da comunidade científica. A ideia é apresentar um texto final durante reunião do gabinete de crise, às 9h dessa quinta-feira. Se houver consenso, em seguida Leite fará o anúncio oficial. Até lá, a ideia é reduzir pela metade os cerca de 130 protocolos específicos por atividade que ainda estão vigentes. Em suma, o governo vai definir alguns critérios gerais para todo o Estado, como o uso de máscara e manutenção do distanciamento mínimo em locais públicos.
Num segundo patamar, serão definidas regras específicas para os distintos setores econômico, como bares e restaurantes, lojas e shoppings, hotéis e pousadas, clubes e espaços esportivos. Dentro de cada segmento, haverá normas de cumprimento obrigatório e outras que poderão ser flexibilizadas se houver acordo entre pelo menos dois terços dos municípios de cada região. Para entrar em vigor, as novas medidas deverão ser amparadas em plano de fiscalização submetido ao Estado, com nomeação de um responsável técnico.
Com a maior parte das regras sendo definidas pelas associações regionais de municípios, o Estado ficará incumbido por emitir boletins diários com informações sobre a pandemia e disparar alertas.
Embora as informações sobre o funcionamento do novo modelo ainda sejam escassas, não faltam críticas às mudanças. Tanto na jurisdição estadual quanto federal do Ministério Público há pedidos para que o governo adote um gatilho capaz de aumentar o grau de intervenção do Estado a partir de uma degradação do cenário. A comunidade científica reivindica a criação de uma escala de graduação do risco da pandemia, e a Federação das Associações de Municípios (Famurs) aponta uma suposta omissão de Leite.
— O governador abriu mão de fazer a gestão da crise e liderar o processo. Diante disso, não há alternativa a não ser os prefeitos assumirem a responsabilidade para tentar restaurar a credibilidade e confiança no cumprimento dos protocolos — diz o presidente da entidade, Maneco Hassen.
No Piratini, a crítica de Hassen é encarada como mera retórica política. Interlocutores de Leite afirmam que os prefeitos jamais estão satisfeitos, reclamando quando o governo intervém e também quando concede autonomia. Auxiliares do governador ponderam ainda que o novo sistema tem três instâncias de monitoramento do risco - aviso, alerta e ação -, todos sugerindo ações emergenciais tão logo seja detectado tendência de agravamento da situação. Para o infectologista Alexandre Zavascki, era urgente uma reformulação do modelo de acompanhamento da pandemia.
— O sistema atual já não responde às necessidades. É importante que se possa adotar indicadores de monitoramento que sejam capazes de prevenir o que vai acontecer, e não espere por uma lotação de hospital para haver mudança – comenta Zavascki.
Sistema de bandeiras durou um ano
Lançado em 11 de maio do ano passado, o mapa das bandeiras foi criado para servir como guia do governo na adoção de políticas de restrição da mobilidade social. À época, o Piratini dividiu o Estado em regiões e estabeleceu uma série de indicadores para averiguar a capacidade de resposta do sistema de saúde. A partir do número de diagnósticos positivos, da ocupação dos hospitais e da taxa de letalidade, entre outros dados, foi estipulada uma fórmula matemática cujo resultado apontava para cinco bandeiras de cores distintas, representando o avanço ou recuo do contágio.
O sistema logo se tornou referência no país, servindo de modelo para Estados e municípios. Com o passar do tempo, porém, começaram a surgir reclamações, cada vez em tom maior, partindo sobretudo de prefeitos e empresários. Para dirimir resistências, o governo flexibilizou uma série de regras e, ao cabo, implementou a cogestão, permitindo a cada município descer um degrau na escala de restrições: se a região estava categorizada na bandeira vermelha, por exemplo, poderia adotar protocolos de bandeira laranja.
Para médicos e epidemiologistas, tal concessão tirou do o mapa o seu principal propósito: alertar a população sobre os riscos reais de contrair covid-19. Quando o Estado viveu um pico internações, em março e todo o mapa ficou preto, o governo chegou a suspender a cogestão, retomada em seguida por pressão dos prefeitos. O ocaso do modelo, contudo, se deu em 27 de abril, quando o governador ignorou os indicadores e editou decreto colocando todo o território gaúcho em bandeira vermelha com o objetivo de permitir o retorno das aulas presenciais na rede pública e privada.