No ano em que o kit covid virou política de Estado no Brasil para o tratamento precoce contra o coronavírus, apesar da comprovada ineficácia, o uso de medicamentos que compõem o coquetel explodiu no Brasil e no Rio Grande do Sul em 2020, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia (CFF).
As vendas do vermífugo ivermectina cresceram 534% em território gaúcho frente a 2019, enquanto as do antimalárico hidroxicloroquina subiram 119%.
A comercialização de vitaminas C e D também tiveram forte alta, sendo que o crescimento no Rio Grande do Sul foi, junto com a hidroxicloroquina, acima da média nacional, como mostra o gráfico abaixo.
O kit covid é um coquetel de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina recomendado como protocolo pelo Ministério da Saúde nas fases leve e moderada da doença. Um aplicativo do governo chamado TrateCov, posteriormente removido, também aconselhava o uso de ivermectina, dexametasona, doxiciclina e zinco.
A recomendação oficial pavimentou o caminho para médicos adaptarem o kit e incluírem também outras drogas, como nitazoxanida, colchicina, cálcio, vitamina C e vitamina D – totalizando, em algumas prescrições, mais de 10 remédios receitados.
Médicos que atuam na linha de frente do combate à pandemia relataram que pacientes chegam com lesões no fígado, enjoos, vômitos e coronavírus em estado mais grave por confiarem que o kit covid os protegeria.
O Conselho Federal de Farmácia (CFF) destaca a GZH que defende a tomada de decisões baseada em evidências e que não há estudos robustos provando a eficácia do uso do kit covid como tratamento precoce, mas que respeita a autonomia do médico em receitar a medicação que melhor entender para o paciente. A entidade relaciona a alta nas vendas com a pandemia.
William Peres, conselheiro federal de Farmácia suplente pelo Rio Grande do Sul e professor de Bioquímica na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), destaca o grande risco da automedicação, sem qualquer acompanhamento médico. Ele cita pesquisa do CFF mostrando que 77% dos brasileiros se automedicam e 25% o fazem ao menos uma vez por semana.
— Quando falamos em automedicação, falamos de efeitos colaterais. É gravíssimo uma pessoa tomar um medicamento sem saber a dose ou de forma inadequada. Nós sempre, como farmacêuticos, buscaremos embasamento científico — afirma Peres.