- O RS tem 66 vagas livres em UTIs para 11,4 milhões de gaúchos
- Médicos alertam que não há profissionais no mercado para abrir novos leitos
- Restrições da bandeira preta demoram para surtir efeito por conta do tempo de incubação do vírus
As restrições trazidas pela bandeira preta em todo o Rio Grande do Sul desde o último sábado (27), e que devem durar até 7 de março, poderão refletir em alívio no sistema de saúde somente a partir da terceira semana de março, segundo três epidemiologistas entrevistados por GZH.
O prazo é projetado com base na estimativa de que as próximas duas semanas ainda registrem atendimento a pessoas já adoecidas e aos que eventualmente forem infectados nos primeiros sete dias de março (caso, por exemplo, de familiares que dividem a residência com uma pessoa recém-contaminada).
O Rio Grande do Sul vive o pior momento da pandemia e está com o sistema de saúde à beira do colapso: 97,8% das 2.762 vagas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) estavam em uso nesta segunda-feira (1º), mais da metade por pacientes com coronavírus, segundo dados do Palácio Piratini.
O Estado tinha apenas 66 leitos de UTI livres para os 11,4 milhões de gaúchos, apesar de ter dobrado o número de vagas em comparação a antes da pandemia – um esforço classificado por especialistas como “descomunal”. Não houve abertura de hospitais de campanha por não servirem para leitos intensivos, apenas para emergência, destinada a pacientes menos graves.
Nesta segunda, havia 1.613 pessoas com coronavírus em UTIs no Rio Grande do Sul, uma ocupação 63% mais alta do que no auge da segunda onda, no Natal, e 117% acima do pico da primeira onda, em 19 de agosto.
Havia, ainda, 3.181 pessoas com covid-19 internadas em emergências, um número 128% acima do pior nível na pandemia, em 11 de dezembro, como mostra o gráfico a seguir:
Para a professora de Epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA), Lucia Pellanda, que faz parte do Comitê Científico, grupo de cientistas que atua de forma independente para aconselhar o governo do Estado, a situação se assemelha à de um caminhão desgovernado: se o freio é puxado, o veículo demora até parar.
A tendência é de que, nas próximas duas semanas, piore bastante antes de melhorar
LUCIA PELLANDA
Professora de Epidemiologia e reitora da UFCSPA
A epidemiologista observa que o Rio Grande do Sul ainda sofrerá os efeitos das aglomerações de Carnaval: pessoas infectadas no período já começam a buscar ajuda em postos de saúde e unidades de pronto-atendimento, que registram sobrecarga de procura.
— A tendência é de que, nas próximas duas semanas, piore bastante antes de melhorar. Estamos em crescimento exponencial, na fase íngreme da curva. As UTIs estão lotadas e teve aumento de 63% na ocupação dos leitos clínicos nas últimas duas semanas, o que vai se reverter, a seguir, em piora das UTIs. E ainda tem maior procura na atenção primária do Carnaval, o que vai trazer consequências, nas próximas semanas, nos hospitais — afirma Pellanda.
Na terceira semana do mês, hospitais devem começar a liberar vagas de emergência e de UTI, seja por alta de internados, seja por morte dos pacientes. Um estudo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) identificou uma taxa de mortalidade de 66,3% entre pacientes com covid-19 que precisaram de respirador no país.
Ao explicar o prazo de três semanas necessárias para os hospitais serem desafogados, o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), cita a “metáfora da escadinha”: a infecção aparece na primeira semana, a internação no hospital ocorre na segunda e a morte, na terceira. Apenas depois de interromper o primeiro “degrau” é que o segundo e o terceiro serão controlados.
— A história da pandemia é construída diariamente. Os próximos 15 dias serão muito ruins ainda porque são reflexo de um momento de descontrole. Certamente, teremos um março difícil. Se nesta semana e na outra todos ficarem em casa, daqui a três semanas a situação dará uma melhorada — afirma Hallal.
O pedido para que as pessoas fiquem em casa se dá porque o sistema hospitalar está, em muitas cidades gaúchas, colapsado – e médicos já escolhem qual paciente irá viver e qual irá morrer. O cenário afeta também quem está em emergência com outras doenças, já que aguardam na fila ao lado de pacientes com covid-19.
O Rio Grande do Sul já dobrou a capacidade de leitos. Se quadruplicasse, não teria profissional para atender a população. Estamos na fase de crescimento exponencial
PEDRO HALLAL
Epidemiologista, professor da UFPel
A Região Metropolitana, considerada referência nacional pelo alto número de vagas em UTIs em virtude do grande número de universidades, tinha apenas 21 vagas livres no domingo. Na Capital, 98,6% das vagas intensivas estavam ocupadas na tarde desta segunda-feira.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) organizou a abertura de 70 novas vagas em UTI na última semana, mas hospitais alertam que não há como fazer grandes expansões por conta da falta de profissionais no mercado. A expansão, além disso, requer sacrifícios, como reduzir o tratamento de outras doenças, sobrecarregar médicos com um maior número de pacientes e alocar profissionais de outras especialidades para tratar coronavírus.
— Em uma casa, enxugar não funciona para resolver um problema de umidade. É a mesma coisa que criar leitos eternamente. E não adianta só ampliar leitos: um problema gravíssimo em qualquer lugar do mundo é não ter profissionais suficientes. O Rio Grande do Sul já dobrou a capacidade de leitos. Se quadruplicasse, não teria profissional para atender a população. Estamos na fase de crescimento exponencial — acrescenta o epidemiologista.
Deixar a transmissão mais devagar já não é suficiente. Precisamos parar de forma abrupta e significativa a circulação do vírus. Se seguirmos como está, a situação ficará ainda mais dramática
JERUZA NEYELOFF
Médica epidemiologista do Hospital de Clínicas
A piora da pandemia em fevereiro no RS foi “vertiginosa”, diz a médica epidemiologista Jeruza Neyeloff, da diretoria médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Para conseguir atender a população nas próximas semanas, ela diz que a única saída é reduzir a circulação da população. Se a adesão às restrições for intensa, na segunda semana já pode haver alguma melhora.
— Deixar a transmissão mais devagar já não é suficiente. Precisamos parar de forma abrupta e significativa a circulação do vírus. Se seguirmos como está, a situação ficará ainda mais dramática. É um vírus, então, se espalha entre pessoas. Ao reduzir a circulação de pessoas, reduzimos a circulação do vírus. Isso é ponto pacífico na infectologia. Todas as medidas propostas pelos governos já foram implementadas: já redirecionamos pessoas e realocamos equipamentos de trabalho. Estamos no limite — afirma Jeruza.
O que posso fazer para me cuidar?
Com o Rio Grande do Sul todo em bandeira preta, mais do que nunca, sair de casa é correr o risco de interagir com uma pessoa infectada. Confira algumas dicas de especialistas:
- Nas próximas duas semanas, saia de casa apenas para ir ao mercado e trabalhar.
- Não encontre, se possível, qualquer pessoa com a qual você não mora, o que inclui amigos, vizinhos e outros parentes. Proteja a vida de quem você ama.
- No trabalho presencial, use máscara o tempo todo, não coma perto dos colegas e evite falar muito próximo.
- Se você é empresário, escalone a jornada de trabalho dos funcionários para evitar o horário de pico de ônibus. Exija o uso de máscara no trabalho. Mande para o teletrabalho quem puder.
- Delegue a ida ao mercado para apenas um indivíduo da família, de preferência o mais saudável de todos.
- Se você voltou de férias, fique em casa por duas semanas e evite contato com pessoas. Se você mora com outras pessoas, evite compartilhar refeições e interagir perto.
- Opte por focar na telentrega para evitar sair de casa.
- Se sair para praticar exercícios ao ar livre, use máscara, evite lugares com muita gente e opte por ir em horários de menor movimento.