A morte de seis pacientes na manhã desta sexta-feira (19) no Hospital Municipal Lauro Reus, em Campo Bom, no Vale do Sinos, teria sido ocasionada por uma "instabilidade na rede central de distribuição de oxigênio" do local, problema que durou aproximadamente 30 minutos, conforme apontam a instituição de saúde, a prefeitura do município e a Secretaria Estadual da Saúde (SES). O hospital e a SES negam, no entanto, que tenha ocorrido falta de oxigênio.
A instituição informou que o local opera atualmente com capacidade próxima a 300% acima da média.
Conforme a direção do hospital, a causa da falha no sistema será apurada na sindicância que foi aberta. A promotora de Justiça Letícia Elsner Pacheco vai solicitar que a Polícia Civil instaure um inquérito para investigar de quem é a responsabilidade pela falha. GZH tenta contato com a Polícia Civil do município.
Na nota que distribuiu à imprensa, o hospital diz que "não houve em momento algum falta de oxigênio aos pacientes, devido à rápida ação da equipe assistencial, que acionou imediatamente o Plano de Contingência".
De acordo com a instituição, o oxigênio é mantido em um tanque central na parte externa do hospital, e fornecido pela empresa Air Liquide. O fornecimento do oxigênio, que é feito por meio de tubulação, é monitorado remotamente. Em caso de instabilidade no sistema, um alarme soa no local, e técnicos são acionados para resolver a falha.
Ao mesmo tempo, para evitar que os pacientes sejam prejudicados durante essa instabilidade, a equipe médica coloca em prática de forma imediata o plano de contingência, explicou o hospital. A ação consiste em retirar os pacientes do respirador e colocá-los no cilindro manual, para que recebam o oxigênio por ali.
Relato de familiares e do hospital divergem
Conforme o hospital, no momento da falha (que ocorreu por volta das 8h30min desta sexta), havia 26 pacientes em ventilação mecânica, e todos eles receberam os cilindros. Seis pacientes, no entanto, com idades entre 32 e 59 anos acabaram morrendo — a identificação deles não foi divulgada pela entidade. Segundo a casa de saúde, quatro vítimas estavam em estado grave, bastante fragilizadas.
Segundo a entidade, assim que foram constatadas as mortes, os familiares foram notificados imediatamente.
No entanto, familiares de pessoas que estavam internadas no local reclamaram de falta de informações ao longo do dia por parte da instituição. Andreia Linques Binsk diz que perdeu a mãe, Carmen de Fátima Linques, 66 anos, na manhã desta sexta. Ela diz que foi chamada às 11h na institução, mas que não soube se sua mãe foi uma das vítima do problema ocorrido nesta manhã. Enfermeiros contaram que a idosa morreu por volta das 9h — pouco depois do problema.
— Não foi explicado nada, ninguém me procurou — conta, enquanto chorava e abraçava a irmã.
Pessoas que estavam em frente a casa de saúde nesta manhã afirmam ainda que o cenário durante a falha no sistema da entidade era como "cena de terror".
— Foi uma cena de terror. As portas abrindo e uma gritaria. As enfermeiras pedindo para o pessoal ligar para os hospitais próximos e pedir tubos de oxigênio. Começaram a chegar ambulâncias e colocar os pacientes pra dentro. Nos pediram pra colocar alguns nos carros e levar para o pronto atendimento. Entrou todo mundo em pânico e as enfermeiras choravam e diziam que não conseguiram salvar — relata Lígiane da Silva Alves, 38 anos, que estava do lado de fora do hospital.
GZH tenta contato com o hospital para esclarecer a situação relatada pelos familiares.
Em nota, a prefeitura de Campo Bom disse que foram enviados reforços do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e outros profissionais da saúde e "providenciados carregamentos com mais cilindros de oxigênio como medida de retaguarda". "Seis pacientes, considerados casos muito graves, internados nas Unidades de Terapia Intensiva e Semi-intensiva, infelizmente acabaram falecendo", complementa a nota.
A Air Liquide, fornecedora de oxigênio para o hospital, informou que atendeu prontamente os pedidos do hospital pelo restabelecimento do insumo. "O backup de oxigênio do Hospital Lauro Reus precisou ser utilizado e a equipe de manutenção da instituição solicitou apoio da Air Liquide para o correto acionamento da central, pedido que foi prontamente atendido. É importante esclarecer, inclusive, que as equipes de manutenção de todos os clientes atendidos pela Air Liquide Brasil contam com o treinamento de sua equipe técnica para a devida operação dos tanques em diferentes situações". Confira a nota na íntegra ao final do texto.
Leia a nota do hospital na íntegra
"Com relação à informação sobre a falta de oxigênio nesta manhã no Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, a direção da unidade de saúde esclarece que:
1) No período entre 08h10 e 08h40 da manhã desta sexta-feira (19) havia 26 pacientes em ventilação mecânica na UTI e Emergência.
2) Não houve em momento algum falta de oxigênio aos pacientes, devido à rápida ação da equipe assistencial, que acionou imediatamente o Plano de Contingência — em decorrência de uma instabilidade na rede central de distribuição de oxigênio (O2) que durou aproximadamente 30 min.
3) Segundo a direção técnica do hospital, diante da gravidade geral da situação em nível mundial, e não diferente no Rio Grande do Sul, este hospital opera atualmente com capacidade próxima a 300% acima da média.
4) Considerando os fatos, foi imediatamente instaurada uma sindicância para verificar as possíveis causas da instabilidade temporária na central de oxigênio (O2)."
Nota da empresa Air Liquide, fornecedora de oxigênio
Diante da ocorrência no Hospital Lauro Reus, de Campo Bom (RS), que suscitou questionamento quanto a possíveis falhas na distribuição interna de oxigênio, a Air Liquide Brasil esclarece:
Apesar de caber à unidade de saúde gerir o seu próprio estoque de oxigênio, a empresa mantém os tanques criogênicos monitorados por telemetria e sua equipe de logística usa esta ferramenta para garantir a confiabilidade dos abastecimentos dos clientes;
A partir das informações obtidas pelo monitoramento do tanque do Hospital Lauro Reus, a Air Liquide organizou a sua logística para reabastecer o tanque de oxigênio dentro do seu planejamento, sempre buscando otimização em virtude do apoio no combate à pandemia. Nesse intervalo, porém, na possibilidade da capacidade do tanque atingir níveis mais críticos, imediatamente um alarme é acionado para que seja ativada a central de backup de oxigênio: um conjunto de cilindros que ficam de reserva e são utilizados em situações emergenciais.
O backup de oxigênio do Hospital Lauro Reus precisou ser utilizado e a equipe de manutenção da instituição solicitou apoio da Air Liquide para o correto acionamento da central, pedido que foi prontamente atendido. É importante esclarecer, inclusive, que as equipes de manutenção de todos os clientes atendidos pela Air Liquide Brasil contam com o treinamento de sua equipe técnica para a devida operação dos tanques em diferentes situações.
A Air Liquide Brasil informa que o abastecimento de oxigênio do Hospital Lauro Reus foi imediatamente restabelecido.
A Air Liquide Brasil tem empenhado todos os seus esforços logísticos, operacionais e de produção para garantir o abastecimento de oxigênio a todos os hospitais que atende em diferentes cidades do País, em consonância com a sua prática de proteger vidas vulneráveis.
Certos de sua compreensão quanto às informações expostas até aqui, a Air Liquide Brasil agradece a atenção e permanece à disposição.
Air Liquide Brasil
Nota da prefeitura municipal de Campo Bom
"Devido à situação ocorrida no Hospital Lauro Reus na manhã desta sexta-feira (19), a Prefeitura de Campo Bom vem por meio desta nota, esclarecer:
Nesta manhã, ocorreu uma instabilidade na rede central de distribuição de oxigênio do hospital. Assim que a Prefeitura soube do ocorrido, prontamente, por intermédio do prefeito Luciano Orsi, do secretário de Saúde João Paulo Berkembrock e da equipe técnica do hospital, colocou à disposição todo o auxílio possível para manter a oxigenação dos pacientes. Foram enviados reforços do Samu e outros profissionais da saúde, entre médicos e enfermeiros, se deslocaram para prestar ajuda. Além disso, foram providenciados carregamentos com mais cilindros de oxigênio como medida de retaguarda.
Seis pacientes, considerados casos muito graves, internados nas Unidades de Terapia Intensiva e Semi-intensiva, infelizmente acabaram falecendo.
O Hospital Lauro Reus já instaurou uma sindicância para averiguar a causa. Mais informações podem ser verificadas em nota oficial do hospital."
Nota da SES na íntegra
"A Secretaria da Saúde, preocupada com a falta de oxigênio nos hospitais gaúchos, oficiou todas as unidades hospitalares para que fosse mantido um estoque mínimo de oxigênio, suficiente para uma semana.
A SES teve conhecimento do fato ocorrido em Campo Bom e, imediatamente, acionou o hospital, que confirmou os seis óbitos. Todavia, os óbitos teriam ocorrido devido a uma falha no sistema de distribuição de oxigênio, e não pela falta desse. Estamos oficiando o hospital neste momento para que tenhamos informações mais detalhadas do ocorrido."
Nota do Ministério Público na íntegra
"O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Promotoria de Justiça de Campo Bom, lamenta profundamente a tragédia ocorrida na manhã desta sexta-feira, dia 19 de março de 2021, junto às dependências do Hospital Lauro Réus, solidarizando-se a prestar o atendimento e auxílio necessários, bem como informa a toda a comunidade que está em contato com as autoridades locais e envolvidos e instaurou expediente investigatório para acompanhar os fatos e a devida apuração de responsabilidade.
Campo Bom, 19 de março de 2021.
Letícia Elsner Pacheco,
Promotora de justiça
Diretora de Promotorias."