Profissionais da saúde que trabalham em Camaquã relataram à reportagem de GaúchaZH estarem sob forte pressão de parte da comunidade para ministrar hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 — não há comprovação científica da eficácia desse medicamento contra o coronavírus. Os pedidos começaram após relatos de doentes que dizem ter se curado após receberem tratamento com hidroxicloroquina ministrado pela médica Eliane Scherer, contratada para atuar no pronto-socorro do hospital Nossa Senhora da Conceição, daquele município do Sul do Estado. Ela foi demitida por ter utilizado um tratamento experimental de resultados não comprovados, aplicando o produto de forma diluída, através de nebulização.
O caso ganhou notoriedade porque, na última sexta-feira (19) o presidente Jair Bolsonaro entrou ao vivo em um programa de rádio de Camaquã, por telefone, para defender a atuação da médica. Ele também voltou a advogar o suposto "tratamento precoce" da covid-19 por meio de hidroxicloroquina.
Pelo menos um enfermeiro diplomado e um técnico de enfermagem do Hospital Nossa Senhora Aparecida relataram terem sido pressionados pela médica plantonista Eliane para diluir em soro uma cápsula de hidroxicloroquina e colocar num aparelho de nebulização (nebulímetro, pelo qual o doente inala remédios), para administrar o produto via inalatória, com ar comprimido, em um paciente. Os dois se recusaram. Conforme eles, duas outras profissionais, uma de Enfermagem e outra de Farmácia, tentaram dissuadir a médica, que finalizou a discussão, dizendo que não precisava de ajuda e que continuaria a ministrar o medicamento daquela forma.
Um dos enfermeiros relatou, em documento que está com o Coren, que em nenhum momento orientou que o paciente não fosse medicado, apenas discordou da forma.
— Pedi para seguir prescrição médica e orientação de medicação conforme sua disposição de via (via oral e não inalatória). Salientamos que o protocolo da instituição (hospital Nossa Senhora Aparecida) inclui a prescrição de hidroxicloroquina 400ml / difosfato somente por via oral e mediante o formulário de ciência médico e paciente.
Camaquã registrou até agora 3,8 mil casos de covid-19, com 74 óbitos. Conforme apurou a reportagem, o Hospital Nossa Senhora Aparecida prepara documentação a ser enviada na segunda-feira (22) ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), contra a médica que receitou a nebulização de hidroxicloroquina diluída. Serão relatados supostos episódios de faltas éticas de Eliane Scherer, muitos dos quais tornaram-se motivo de debates acalorados em grupos de WhatsApp.
O médico Jonatan Duarte, delegado do Cremers em Camaquã e que também trabalha no hospital Nossa Senhora Aparecida, diz que ainda não recebeu queixa formal sobre o caso de Eliane Scherer, apenas ouviu o programa de rádio que gerou a polêmica. Ele não quer opinar sobre o caso, mas diz que o Código de Ética Médica dá prerrogativa aos médicos para liberdade de tratamento, mas também impede que seja feita propaganda de método não comprovado cientificamente.
— Não sabemos o que aconteceu, só ouvimos falar — ressalta.
Contraponto
O que diz a médica Eliane Scherer:
Ela confirma que utilizou a hidroxicloroquina por meio de nebulização e diz que o tratamento já é usado em outros locais e consta na literatura médica.
“Estou passando por um momento difícil, proibida pelo hospital de aplicar o medicamento nos pacientes, a menos que o faça de forma particular. Mas não sou eu o tema, são os pacientes, que estão se beneficiando por isso. É para o bem deles. Não ganho nada com isso, custa R$ 1,50 cada cápsula para o tratamento. Espero que os pacientes contem isso, estou deixando eles gravarem sua experiência. Depois eu falarei com mais calma”.