Com o desejo de ter um segundo filho e dar um irmãozinho à pequena Betina, quatro anos, a jornalista Ane Meira Mancio, 39 anos, moradora de Viamão, decidiu engravidar mesmo em meio às incertezas da pandemia de coronavírus. A proximidade dos 40 anos foi determinante para a escolha do momento, conta. Depois de muita conversa e planejamento com o marido, Matheus Mancio, 39, que trabalha como técnico de informática, ela percebeu que não poderia esperar o fim da situação sanitária para dar início à tentativa. Apesar da insegurança, Ane ponderou os riscos.
— Moro fora de Porto Alegre, já trabalho de forma remota e tenho esse privilégio do isolamento — argumenta.
Tomada a decisão, a jornalista teve a confirmação da gravidez no começo de julho. Desde então, redobrou os cuidados: reforçou o isolamento e só sai de casa para fazer exames ou consultas médicas. Por orientação profissional, não teve festa de Natal e nem de Ano-Novo.
— A médica disse: "Te isola". Isso é importante, pois me deu segurança. A gente não tem certezas, a única garantia é o isolamento — diz.
Depois de tanto tempo distante de todos, a jornalista está na contagem regressiva para receber a pequena Cora, que deve nascer em meados de abril.
Corrida contra o relógio
Assim como Ane, a psiquiatra Graziela Stein, 42 anos, de Porto Alegre, foi motivada a tentar a gestação em razão da idade. Em janeiro de 2020, começou o processo de fertilização in vitro, porém, viveu momentos de angústia logo de cara. Mais do que o temor da doença, a médica ficou aflita com o fechamento dos estabelecimentos comerciais, que incluíam as clínicas de fertilização, em março, logo após a realização da sua primeira coleta de óvulos.
— Foi muito interessante, pois eu tinha a perspectiva de paciente tendo que fazer tratamento e atendia minhas pacientes gestantes. Tinha as minhas angústias e ouvia as preocupações delas — conta.
No consultório, além de lidar com as próprias questões, precisou auxiliar e orientar suas pacientes em relação aos medos da doença e como tratar o momento pós-parto para garantir a segurança do bebê. Até conversas com os maridos das clientes teve para tranquilizar a família em relação às visitas habituais após o nascimento.
Na metade do ano, Graziela conseguiu aliviar um pouco da tensão que vivia e retomar o tratamento. Pouco tempo depois, em setembro, foi feita a transferência embrionária e, nas primeiras semanas de outubro, a gravidez foi confirmada.
— É uma gestação independente. Vou ser pai e mãe. Estou orgulhosa de ter essa coragem, tendo que enfrentar uma pandemia e trabalhar. Fiquei muito feliz de ter conseguido, pois foi bastante angustiante. Teve a carga extra de fazer a fertilização e, na pandemia, foi ainda pior — conclui.
Tire suas dúvidas
Embora a pandemia esteja beirando um ano, ainda há muitas lacunas que faltam ser preenchidas para se ter um maior entendimento do coronavírus. Essas perguntas sem respostas abrangem diversas áreas da medicina, incluindo a obstetrícia. Edson da Cunha Filho, obstetra do Nasce Centro de Atendimento à Gestante e chefe do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Moinhos de Vento (HMV), lembra que, apesar de transcorrido o ano, a doença é nova e o vírus está sofrendo mutações, portanto, nada é definitivo. Abaixo, reunimos algumas perguntas e respostas sobre o tema.
Quais os riscos da covid-19 para a gestante ou para o bebê?
— Até agora, estudos que envolveram mais de 15 mil gestantes não mostraram aumento de abortamento ou malformações. Aparentemente, o coronavírus não impactou isso — assegura Cunha Filho.
Por outro lado, é sabido que as grávidas são mais suscetíveis às complicações e à necessidade de internação na comparação com as mulheres não gestantes da mesma faixa etária e com condições de saúde parecidas.
— Grávidas têm de duas a três vezes mais chance de serem submetidas à ventilação mecânica e de 1,5 a duas vezes mais de mortalidade. Mas é preciso deixar claro que as mortes na população jovem, abaixo dos 45 anos, são baixas. Se dobrar a mortalidade, ela continua sendo baixa — explica Cunha Filho.
Contrair covid-19 na gestação aumenta a chance de parto prematuro?
Cunha Filho destaca que, até agora, o que se tem são dados divergentes em todo o mundo. Informações do site médico UpToDate, que é abastecido regularmente com novos estudos, vão na mesma linha: o número de partos prematuros aumentou em alguns levantamentos, porém, não em todos:
— Isso não é um consenso na literatura, a maioria dos centros tem registrado aumento de prematuridade, sim, mas isso não é unanimidade. Ela cresceu, no começo, indiscutivelmente por um efeito do novo - não se sabia se o bebê teria malformações, se contrairia a doença, se a mesma seria grave ou se a doença poderia afetar o funcionamento da placenta e tampouco se sabia manejar direito a doença na mãe. Passado algum tempo, essa prematuridade sem causa real diminuiu.
Entretanto, explica o especialista, as modificações corporais próprias da gravidez, que levam a mulher a ter mais dificuldade respiratória, sobrecarregam o sistema cardiovascular.
— E por si só aumentam a possibilidade de coagulação sanguínea e, consequentemente, o risco de trombose, o que pode ser responsável por mais complicações da doença na gestação e culminar também com prematuridade. A covid-19 em si não desencadeia o trabalho de parto — diz Cunha Filho.
Marcelo Comerlato Scotta, infectologista pediátrico do HMV, reforça que os riscos da infecção nas grávidas não são tão altos quanto na população idosa ou com comorbidades. No entanto, não se descarta complicações.
— Estar grávida não aumenta o risco de contrair a doença, mas, comparando com mulheres não gestantes, com gestantes da mesma idade, a gravidez carrega um risco um pouco maior — afirma o infectologista pediátrico.
Romana Novais, esposa do DJ Alok, teve um parto prematuro depois de testar positivo para coronavírus. O caso dela pode ser relacionado à covid-19?
Cunha Filho acredita que Romana Novais, esposa do DJ Alok, tenha sofrido um descolamento de placenta. Segundo ele, o quadro pode ter relação com a infecção, no entanto, pode ocorrer por outros fatores.
— Não conseguimos afirmar que a placenta descolou porque ela tinha covid-19 ou se isso ocorreu ao acaso, como descola também em mulheres sem a infecção — assegura.
Os estudos observacionais, até o momento, são inconclusivos e não parecem demonstrar haver mais risco para descolamento de placenta em gestantes com covid-19 comparadas a gestantes sem a infecção, conclui.
Há riscos para o bebê caso a mãe se contamine?
Até o momento, afirmam os especialistas, ainda não foi evidenciada qualquer relação do coronavírus com malformações, ao contrário do zika vírus, por exemplo, que resultou em inúmeros casos de microcefalia entre o fim de 2015 e o começo de 2016. Da mesma forma, não há nada que confirme uma possível transmissão pelo leite materno.
— Provavelmente, a forma de transmissão é a mesma das demais pessoas: pela proximidade da mãe com o bebê, deixando-o exposto a gotículas — afirma Scotta.
Há alguma recomendação médica sobre o momento certo para engravidar? Pode-se engravidar agora ou é melhor adiar os planos para outro momento?
O obstetra do Nasce avalia que é preciso ponderar caso a caso e colocar na balança os riscos e os benefícios. Por exemplo: mulheres com mais de 35 anos, que já têm a fertilidade em declínio e apresentam mais risco de aborto, não deveriam adiar a decisão. Em contrapartida, uma jovem na faixa dos 20, que já tem um filho, mas deseja o segundo, poderia esperar.
— Se me disser que precisa engravidar e perguntar se deve postergar em razão do coronavírus, eu vou dizer que não. Se está correndo contra o relógio biológico, não deve atrasar — sugere Cunha Filho.
Essa é a situação enfrentada pela fotógrafa Ana Meinhardt, 42 anos, que desde meados de 2019 tenta a segunda gestação. Como completa 43 anos em julho, não passou pela cabeça desistir dos planos nem mesmo com a pandemia.
— Em janeiro de 2020, engravidei e perdi em fevereiro. Em dezembro, engravidei de novo e perdi no começo deste ano. Vamos continuar tentando. O meu medo de contrair a doença é perder o bebê ou ter um quadro mais grave, pois estou acima do peso — relata.
Sobre as vacinas: é seguro fazê-las mesmo sem estudos na população de gestantes?
O infectologista pediátrico acredita que a decisão de tomar ou não durante a gravidez deve ser analisada individualmente e com a participação do médico.
— Não é uma diretriz universal. É caso a caso. As sociedades médicas têm se posicionado de forma a avaliar risco versus benefício. Para gestantes muito expostas, a tendência é indicar a vacinação — destaca Scotta, acrescentando que as novas pesquisas com vacinas devem abranger essas populações específicas.
Para quem ainda está na tentativa, a recomendação é, quando e se tiver a oportunidade, vacine-se antes de gestar.
— Fazer a vacina antes de engravidar é excelente do ponto de vista de começar a gravidez protegida — garante o infectologista do HMV.
Como as vacinas que estão disponíveis no Brasil têm um perfil semelhante ao de outros imunizantes já administrados em gestantes, como o da gripe, Cunha Filho acredita que a vacinação é segura para a mãe e para o bebê. A fotógrafa Ana afirma que, assim que puder, pretende se vacinar:
— Tenho medo, mas faria. Pior é a doença do que a vacina — opina.