Substância natural produzida pelas abelhas, a própolis pode ter reduzido o tempo de internação de pacientes com covid-19, sugere um estudo brasileiro. Realizado em um hospital de Salvador, na Bahia, o ensaio clínico testou os benefícios do produto quando associado com o tratamento padrão definido pela equipe médica. O trabalho ainda está na fase "pré-print", ou seja, não foi revisado por pares. Falhas no procedimento de pesquisa, no entanto, comprometem a certeza do estudo, aponta especialista ouvido por GZH sobre a pesquisa.
Para obter os resultados, os pesquisadores incluíram no estudo 124 indivíduos, que foram divididos em três grupos, cuja substância foi administrada ao longo de uma semana. Um deles, com 40 pessoas, recebeu 400 mg/dia de própolis; o segundo, com 42 pacientes, tomou 800 mg/dia; o último, também com 42 participantes, só teve o tratamento médico padrão.
Conforme observaram os autores da pesquisa, aqueles que receberam a própolis diminuíram em até seis dias a hospitalização em comparação com os que tiveram a intervenção padrão. No grupo que tomou 400 mg, a média de internação foi de sete dias. Aqueles que tomaram 800 mg ficaram, em média, seis dias nas casas de saúde. Os pacientes que não tomaram a substância ficaram internados, em média, por 12 dias.
O professor David de Jong, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a administração oral da própolis foi segura e sem eventos negativos. A substância conseguiu interferir na expressão de TMPRSS2, proteína da superfície celular e que tem relação com a entrada e a disseminação do vírus pelo corpo. Ela também agiu na ligação do sars-cov-2 com a proteína ACE2, que auxilia a entrada do vírus na célula.
— Outro ponto importante de destaque na pesquisa é que as propriedades da própolis podem ajudar a reduzir os processos inflamatórios por inibição da PAK1, que está associada a uma maior necessidade de cuidados intensivos e com altas taxas de mortalidade — explicou Jong ao site da FMRP.
Os pesquisadores planejam realizar novo ensaio clínico duplo-cego com placebo, incluindo mais pessoas e examinando outros parâmetros, como anticorpos desenvolvidos pelos pacientes.
Limitações
Na avaliação do médico Alexandre Zavascki, membro da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), o estudo apresenta problemas. O primeiro, pontua, é que os pesquisadores não usaram placebo no grupo que não recebeu própolis. Na prática, explica, isso pode acabar influenciando, inconscientemente, os médicos que atendem esses pacientes.
Outro aspecto é que, como desfecho primário, o trabalho se propôs a avaliar a melhora clínica dos indivíduos. Foi estabelecido que essa melhora significava ter alta ou estar livre de oxigênio.
— Isso é complicado. Se na condição inicial da pessoa não havia necessidade de oxigênio, não é melhora. Dos pacientes incluídos, cerca de 50% já não estava no oxigênio, então, o que estavam fazendo no hospital? — observa.
Porém, destaca o especialista, a grande falha do ensaio é que ele não apresenta os resultados do desfecho primário.
— Eles desmembraram o desfecho primário porque, provavelmente, ele não foi bem sucedido. Não se desmembra o que foi planejado para dar um resultado positivo. Aconteceu o mesmo com a colchicina, que recentemente foi anunciado estudo. Mas quando olhamos o trabalho mesmo, não é bem assim — avalia.
Apesar dos problemas da pesquisa, não é possível afirmar que as propriedades anti-inflamatórias da própolis não trazem benefícios, destaca Zavascki. Contudo, diz, por esse estudo, não é possível ter essa certeza.