Ao receber a primeira dose de CoronaVac no braço direito, na manhã de quinta-feira (21), a técnica em enfermagem Renata Lay Pedroso Rosa exibiu, aliviada, a ampola para a câmera do celular. O momento significava, mais do que o início do processo de imunização contra a covid-19, que teria de pagar uma promessa que ansiava cumprir.
Renata fora contratada em abril de 2020 para atuar no centro de tratamento intensivo (CTI) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Rogou a Santa Rita de Cássia: se sua família conseguisse chegar sem infecção por coronavírus até o início da vacinação, cumpriria o “pacto” firmado com a protetora de quem é devota. Apesar de se sentir orgulhosa por assumir o novo desafio no ano da pandemia, a técnica se sentia com “dois corações”.
— Tive medo de me contaminar, contaminar meu marido, que é cardíaco, e meus dois filhos — conta Renata. — Fiz a promessa. Nenhum de nós se contaminou. A vacina chegou. Agora vou pagar — comemora.
O começo da aplicação dos imunizantes nos profissionais de saúde da linha de frente da Capital, a partir da noite de segunda-feira (18), demonstrou, com o amplo compartilhamento de imagens em redes sociais, a felicidade e a euforia daqueles que têm encarado o alto risco permanente de contágio em CTIs, emergências e unidades de internação. Revelaram-se outros tantos singelos e simbólicos preparativos e rituais.
Enfermeira e colega de Renata no CTI do HCPA, Isis Marques Severo optou por um colorido vestido novo, que vinha sendo guardado para uma ocasião especial, e sapatos de salto “confortáveis e ao mesmo tempo elegantes”. Na hora da vacina, já tinha trocado o look cuidadosamente selecionado pelo habitual uniforme de trabalho.
— Mas não perdi o glamour! — brinca Isis. — A importância do momento ficou para a história. Um dia de esperança para o futuro — acrescenta.
Médica internista do HCPA e do Hospital Moinhos de Vento (HMV), Lisangela Preissler colocou uma camiseta do Inter sobre o ombro esquerdo na tarde de quarta-feira (20), quando, à noite, o time acabaria goleando o São Paulo por 5x1 no Brasileirão.
— A camisa estava na mochila, despretensiosamente, pois era dia de jogo importante. Pais me entenderão, já que às vezes é preciso ter certos rituais estranhos aos outros olhos, mas que fazem todo o sentido quando se está tentando nutrir o amor de alguém pelo clube — conta Lisangela, mãe de Fernando, cinco anos. — O que eu não imaginava é que o dia ficaria ainda mais especial, com os bons ventos da liderança do campeonato — completa a torcedora.
Carla Martini von Mühlen, médica do trabalho e coordenadora do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional do HMV, não receberá a CoronaVac nesta primeira etapa, mas foi a responsável por transportar as caixas térmicas com as ampolas até o hospital. Escolheu um vestido verde, pelo significado da cor.
— Verde é esperança. Esperança de a vacina nos trazer dias melhores — explicou Carla, referindo-se ao desejo de rápido controle da pandemia e da diminuição do egoísmo e da descrença na ciência.
Em férias, a psicóloga Rita Gomes Prieb, do CTI do HCPA, não hesitou em interromper o tão necessário período de descanso:
— Com a vacina, protegemos, através de nós, a coletividade. Reafirmamos o valor dos vínculos, da ciência e da vida.
Médica intensivista e coordenadora do CTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Taiani Vargas participou da breve e emocionante solenidade organizada pela instituição na quarta. Foi a primeira profissional vacinada. Usava uma máscara estampada com logotipos do Sistema Único de Saúde (SUS), presenteada por um colega no princípio da pandemia. Como passa a maior parte do tempo coberta pelos equipamentos de proteção individual (EPIs), Taiani não dispõe de muitas oportunidades para colocar máscaras comuns, de tecido. Teve certeza de que o evento desta semana estava à altura do acessório que guardava com carinho.
— Acho que essa máscara nunca refletiu tão bem o momento e a situação toda que se criou em torno da vacina — relata a colaboradora do Conceição, entidade que presta todos os serviços gratuitamente, pelo SUS. — A vacina vem como uma luz no fim do túnel, mesmo que o túnel ainda seja longo.
A técnica em enfermagem Renata, citada na abertura desta reportagem, levou um susto na antevéspera da imunização: devido a uma forte dor de cabeça, teve de se submeter a um teste para detecção de coronavírus. Desesperou-se.
— Não! Na semana da vacina, não! Não aceito me contaminar quando a vacina está batendo na porta — lamentou durante o atendimento médico.
O resultado foi negativo.
— Venci. A vacina chegou, e eu não me contaminei — desabafou Renata.
Ao lado da família, ela pretende quitar o prometido ainda hoje: levar uma rosa vermelha ao Santuário de Santa Rita de Cássia, no bairro Guarujá, na Capital, e acender uma vela.