Aos 42 anos, um morador de Porto Alegre diagnosticado com uma doença degenerativa recebeu autorização do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para cultivar maconha em casa e extrair seu óleo para uso medicinal. O habeas corpus preventivo foi julgado em 26 de outubro e expedido em 6 de novembro. As informações são do portal G1.
O homem obteve o diagnóstico de uma doença progressiva degenerativa em 1992, quando tinha 14 anos. Após uma biópsia muscular e um sequenciamento genético realizado na Holanda, foi confirmada a deficiência de carnitina palmitoil transferase.
Para o alívio das dores causadas pela doença, o paciente precisava ser medicado duas vezes ao dia com morfina, mas ao longo do tempo desenvolveu resistência ao medicamento. Em entrevista ao G1, o homem, que preferiu não ser identificado, afirmou que a autorização da Justiça foi “uma vitória e um alívio":
— O custo de manter o tratamento supera R$ 3 mil por mês, que é 90% do meu salário. Tenho poucos meses de capacidade para manter o tratamento. O habeas (corpus) era a maneira de continuar vivendo. Sem o óleo, vou parar na UTI.
Ele havia conseguido começar o tratamento na medicina alternativa após obter permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar canabidiol do Uruguai. No entanto, devido ao alto custo, ele não teria condições de arcar com os pagamentos mensais apenas com o salário da aposentadoria por invalidez.
— É uma doença extremamente agressiva. Estou perdendo força na mão direita, não fico mais de 15 minutos em pé. As dores são excruciantes. Eram duas doses de morfina mais 25 remédios. Não existia alternativa médica — relata.
De acordo com a advogada Sabrina Moletta, que representou o homem no processo, ele também está tendo dificuldades porque as fronteiras estão fechadas. Neste tratamento, ele precisa ingerir uma gota de óleo de Cannabis sativa três vezes ao dia, de forma contínua, e aumentando a dose caso necessário, conforme receita.
Na decisão, Claudia Junqueira Sulzbach, juíza da 5ª Vara Criminal de Porto Alegre, concede ao paciente o direito de “cultivar 20 plantas de cannabis sativa a cada seis meses, apenas no seu endereço residencial”. Além disso, observou que “com o uso do medicamento importado, passou a ter ótimos resultados, melhorando a qualidade de vida, inclusive no seguimento cognitivo. Nesses termos, viável e imprescindível à manutenção da saúde e da vida do impetrante o extrato caseiro do óleo, o qual lhe traz alívio às dores, bem-estar, e, por consequência, uma vida mais digna”.
Entretanto, a decisão impõe algumas restrições: o paciente não pode, por exemplo, plantar ou transportar insumos, sementes ou plantas para outros lugares. A autorização também só é válida por um ano, período no qual deve ser demonstrada a necessidade da continuidade e na eficácia do medicamento.
Preconceito
Apesar da vitória, o homem não considera ideal a forma como conseguiu acesso ao tratamento, via ação judicial, mas acredita que a decisão possa incentivar outras pessoas a buscar ajuda:
— Eu queria ir na farmácia, comprar o remédio pronto, pagando um valor justo, uns R$ 300. Isso que eu quero no futuro, que as pessoas tenham acesso. Infelizmente, a única forma viável é plantar e extrair.
O paciente disse ainda que o primeiro passo seja quebrar o preconceito com a maconha. Segundo ele, um médico o havia sugerido o tratamento em 2007, mas por ser preconceituoso, teve dificuldade para aceitar.
— Ela salva vidas. Salvou a minha e pode salvar de muita gente. O preconceito tem que ser quebrado. O Brasil tem que entrar no ritmo dos outros países. Nas eleições americanas, a vencedora foi a cannabis. Europa e Ásia estão liberando com ganho econômico e social. O Brasil podia estar no auge, mas a gente está em um retrocesso — concluiu.