Transcorridos quase cinco meses desde o registro do primeiro caso de coronavírus no Rio Grande do Sul, 25 dos 497 municípios gaúchos se mantinham sem ocorrências de covid-19 até o final da manhã desta terça-feira (11), de acordo com o site da Secretaria Estadual da Saúde (SES). O número corresponde a 5% do total.
O painel é dinâmico. Quando, na manhã de segunda (10), a reportagem de GaúchaZH contatou a Secretaria de Saúde e Assistência Social de Ilópolis, no Vale do Taquari, onde vivem 4,2 mil habitantes, a situação, na prática, estava diferente do que mostrava o panorama oficial:
— Já era! Já tem um caso — informou a titular da pasta, Ana Capra Ecker.
Uma mulher de 36 anos recebeu o resultado positivo no domingo (9) e foi orientada a ficar em casa, em isolamento. As pessoas com as quais ela teve contato, segundo Ana, estão sendo monitoradas.
— Estamos com todos os cuidados para que mais pessoas não se contaminem. Fico triste, mas sabia que um dia isso iria acontecer. As pessoas vão e vêm, isso não se pode proibir — lamentou a secretária, acrescentando que mais de 10 mil máscaras laváveis foram distribuídas para os moradores, o que significa uma média de mais de duas máscaras per capita.
Alguns dos secretários de Saúde desses municípios, até aqui livres de infecções por coronavírus, relatam as estratégias que acreditam estar contribuindo para que continuem a salvo. Enfermeira, Francesca Reisdorfer de Lima é a secretária interina de Saúde de Ubiretama — que nunca saiu da área de vigência da bandeira laranja no mapa do distanciamento controlado do governo do Estado —, nas Missões, aposta na pouca movimentação dos cerca de 2,3 mil habitantes.
— É um município mais retirado, não é via de passagem de transportadoras, não tem muito fluxo de idas e vindas, não tem indústrias — enumera Francesca sobre a localidade na região das Missões. — E, desde o início, fizemos um trabalho muito grande voltado para a prevenção, com orientação para manter os idosos em casa, e o pessoal aderiu bastante — acrescenta.
Barreiras sanitárias vêm sendo instaladas nas três entradas do município a cada uma ou duas semanas. Antes de passar, é preciso se submeter à medição de temperatura. Se o termômetro indicar febre, um teste é coletado na hora. Uma moradora de outra cidade não pôde seguir em frente e foi orientada a voltar a seu endereço de origem. Todos recebem orientações quanto à doença.
Francesca reconhece que a ausência de registros locais de coronavírus leva alguns moradores a se descuidarem das medidas preventivas.
— No início, quando a gente pediu, eles aderiram. Um mês atrás, o pessoal deu uma relaxada, mas fomos de novo para a mídia, para as redes sociais, de casa em casa. Então, deu uma controlada de novo — conta a secretária. — Em algum momento, vai ter um caso. Queremos manter assim pelo menos até começar a esquentar, até chegar a primavera, o verão _ completa.
Em Cerro Branco, na Região Central, também sob bandeira laranja, há um caso suspeito à espera do resultado do exame. O secretário de Saúde, Enar de Franceschi, celebra a conscientização da grande maioria dos 4,7 mil habitantes quanto a ações preventivas.
— Só não digo que 100% se cuidam porque sempre tem aqueles que não acreditam. Tem muita gente que tem resistência, que acha que esse bicho não pega — diz o secretário.
De Franceschi espera que a doença não chegue à cidade, mas teme pelo trânsito de pessoas que trabalham em cidades próximas, como Candelária e Santa Cruz do Sul:
— É um risco. Não podemos dizer que não vai acontecer.
A baixa densidade demográfica, a menor interação das pessoas dentro da comunidade e deste conjunto com outras comunidades, o pequeno índice de testagem, o baixo nível de alerta para casos menos graves e a ausência de "superdisseminadores" — indivíduos que, por algum motivo, têm o potencial de infectar mais — podem estar entre as razões para que esses locais se mantenham com a contagem zerada até agora, cogita o epidemiologista Airton Stein, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
— Quanto menos interação social se tem naquela localidade, menor o risco — explica Stein.
O médico cita também o fenômeno do iceberg: a parte que desponta da água é para onde se olha mais detidamente, enquanto a maioria dos diagnósticos de covid-19 estaria “submersa”.
— Os casos graves, que chegam às UTIs, é que dão manchete, têm risco de morte e mais chamam a atenção. Pessoas que têm sintomas respiratórios e estão desenvolvendo normalmente suas atividades não chamam a atenção. Em cidades onde não há preocupação com isso, alguém com tosse ou um pouco mais de cansaço pode passar batido — exemplifica o professor.
Há, ainda, a possibilidade de alguma dessas comunidades terem uma característica genética que a tornaria imune ao contágio pelo coronavírus, mas ainda não há muitos estudos concentrados nesse tema específico.
Sem coronavírus
As 25 cidades gaúchas que não haviam registrado nenhum caso confirmado de coronavírus até as 14h de segunda-feira (10), segundo a Secretaria Estadual da Saúde
- Aceguá
- Alto Alegre
- Amaral Ferrador
- Arroio do Padre
- Cerro Branco
- Coqueiro Baixo
- Estrela Velha
- Garruchos
- Ilópolis*
- Lagoa Bonita do Sul
- Lagoa dos Três Cantos
- Nova Esperança do Sul
- Nova Ramada
- Novo Tiradentes
- Novo Xingu
- Pedras Altas
- Pinhal da Serra
- Porto Lucena
- Porto Vera Cruz
- Putinga
- Rolador
- São José do Inhacorá
- Sete de Setembro
- Tupanci do Sul
- Ubiretama
*Segundo a Secretaria Municipal de Saúde e Assistência Social, o primeiro caso positivo para coronavírus foi conhecido no domingo (9). Até o final da manhã desta terça-feira (11), o site da Secretaria Estadual da Saúde ainda não havia sido atualizado com essa informação.