Em paralelo com dados que começam a dar uma esperança de estabilização ou mesmo queda nas internações relacionadas a coronavírus, GaúchaZH constatou nesta semana, na prática, redução na procura por atendimento por suspeita da doença e na ocupação de leitos por pacientes com sintomas em sete municípios da Região Metropolitana, sobretudo nas vagas convencionais (nas UTIs, foi constatada estabilidade). Resta saber se isso vai se consolidar ou se trata de um retrato do momento, passível de recaída, em decorrência do fim da quarentena.
GaúchaZH monitorou, durante sete dias, nove centros de triagem e Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) destinados a detectar casos suspeitos. Na maior parte, estavam com baixa procura por atendimento. Alguns, como em Canoas (bairros Rio Branco e Boqueirão) e Novo Hamburgo, os locais para uma primeira consulta estavam com pouca gente para ser atendida.
Em duas ocasiões, numa quarta-feira e numa sexta-feira, só um paciente estava em espera na UPA Moacyr Scliar, na zona norte de Porto Alegre, que funciona 24 horas e tem oito leitos para pacientes que inspiram cuidados. Depois outros 12, poucos se comparado com semanas atrás. A gerente da unidade, Jaqueline Cesar Rocha, é cautelosa, mas admite que o movimento diminuiu um pouco nas últimas semanas:
— Já tivemos de 130 a 140 pacientes diários. Na última quinta-feira (20) foram 80, a média não ultrapassa 90 agora. Ainda é alto, mas estamos esperançosos de que o pior tenha passado.
Na Central de Triagem do Grupo Hospitalar Conceição, que conta com duas enfermarias e respiradores para atendimentos emergenciais, a expectativa no início da pandemia era que fossem atendidas até 300 pessoas por dia. A média chegou a 140, meses atrás, e, segundo o diretor-técnico do GHC, Francisco Paz, nos últimos dias o número de atendimentos caiu para cerca de 50 ao dia. O Exército chegou a montar tendas auxiliares no lado de fora do Hospital Conceição, com a perspectiva de um avanço avassalador da doença no Rio Grande do Sul durante o inverno. Isso não se concretizou e as tendas foram desmontadas e transferidas para a Fronteira Oeste.
A redução na busca por consultas coincide com queda no número de contágios. O auge de diagnósticos positivos de coronavírus no RS foi em 22 de julho, com 2.582 casos confirmados naquela data. Na semana entre 13 e 18 de agosto, a média foi de 300 casos por dia. O número de mortes por suspeita de covid-19 também vem caindo. Foram 71 mortes em 3 de agosto, 39 no dia 18 e 21 no dia 19.
— A impressão é de que a covid-19 está em declínio em nosso Estado. E deve cair mais a partir de setembro, com o fim do inverno. As UTIs continuam bastante ocupadas em decorrência do frio, mas acreditamos que serão desafogadas em breve — analisa Francisco Paz.
No Postão da Vila Cruzeiro, na Zona Sul, a UPA ainda tem fila para triagem de suspeitas de covid-19, mas o atendimento é bem rápido. GaúchaZH falou com diversos pacientes e nenhum levou mais de 15 minutos para ser atendido. E saem com medicamentos antigripais.
— Estou bem contente, demorou nada e o atendimento é excelente. Apenas o resultado de exames tarda um pouco, mas faz parte — comenta uma jovem publicitária que teve diagnóstico positivo para covid-19.
Situação semelhante acontece em Sapiranga, no Centro de Triagem. A espera é pequena e os que apresentam Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), cujos sintomas são possível indicativo de presença do coronavírus, recebem o chamado kit covid (antitérmicos, antivirais e antiparasitários diversos).
Leitos convencionais estão com apenas 25% de ocupação
Se nas UPAs e Centrais de Triagem o movimento começa a diminuir, a procura nunca chegou a ser grande nos leitos convencionais de hospitais destinados à covid-19 (os que não são UTI). As autoridades estaduais esperavam que as alas clínicas para tratamento de coronavírus registrassem de quatro a cinco vezes mais pessoas do que as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), até porque quem recebe alta da UTI inicialmente volta para um leito clínico. Mas não foi o que aconteceu. Até junho, o número de doentes de covid em leitos convencionais era apenas 40% maior que o dos colocados em Centros de Tratamento Intensivo.
O resultado é que, desde o início da pandemia, a média de ocupação dos 6.270 leitos convencionais para covid-19 gira em torno dos 25%. O diretor da Central de Regulação de Leitos da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Eduardo Elsade, enumera fatores para a baixa ocupação dos leitos convencionais:
– A orientação do Ministério da Saúde para que o pessoal ficasse em casa, mesmo com sintomas, fez com que muita gente só procurasse atendimento quando os sintomas eram graves (como falta de ar e cansaço extremo). Muitos foram direto para a UTI. E lá a mortalidade é alta, mais de 30%. O planejamento do RS foi adequado, praticamente dobrando o numero de leitos de UTI SUS, mas a ocupação de leitos clinicos ainda é baixa. Até se pode manter os leitos convencionais, mas o que mais precisa aumentar é o número de hospitais e equipes de alta complexidade, em algumas especialidades.
Elsade ressalta que não ocorreu colapso do sistema de saúde no RS e a expectativa é de que isso não aconteça, como em outros Estados.
— Aqui não se morreu de covid-19 por falta de assistência médica ou acesso a estruturas hospitalares, ao contrário do que ocorreu em muitas partes do mundo.
Cauteloso em seu otimismo, Elsade admite que os indícios apontam estabilização da epidemia no RS, com perspectiva de queda. Os dados mundiais indicam que a epidemia perde força ao redor de 10% de contaminação da população – quando muitas pessoas se tornam imunes ou desenvolvem sintomas leves ou assintomáticas - embora muitos especialistas suspeitassem que a imunidade de rebanho só ocorresse aos 70% de contaminação. Isso resulta numa menor pressão de entrada no sistema de atendimento em saúde (postos e hospitais).
—Diminuíram as ocupações de leitos para covid e se estabilizou a fila nas UTIs. Não se sabe se isso vai persistir, mas é a tendência.
Nas UTIs o momento ainda é de bastante cautela, até porque, com ou sem pandemia, a busca por elas continua grande. Culpa da gangorra climática que caracteriza o inverno gaúcho. A taxa de ocupação dos 2.488 leitos destinados à covid nas CTIs começou a subir em 28 de junho (com 68,8%), atingiu o ápice em 14 de agosto (78,3%) e em 21 de agosto baixou (para 76,8%), mas os especialistas acreditam que vai se reduzir. Pelo abrandamento da contaminação (perceptível nas estatísticas) e pelo clima, que deve se tornar menos rigoroso. Contribuiu muito, também, o fato do número de vagas de UTI do SUS ter dobrado – embora a busca por leitos tenha triplicado. A esperança é que, seguindo a tendência nacional, a doença comece a refluir.
Analistas afirmam, contudo, que os dados de casos e de mortes nos últimos 14 dias costumam sofrer atualizações constantes, portanto o declínio da epidemia ainda não está confirmado. A retomada das atividades pode causar impacto no aumento de casos e as consequências estão sendo observadas por autoridades.