- Semana entre 28 de julho e 3 de agosto foi o período com mais mortes por covid no RS
- Números dos últimos 14 dias devem ser atualizados e podem mudar tendência
- Médicos temem que retomada das atividades possa reverter estabilização e piorar o cenário
O Rio Grande do Sul traz indícios de que, após um ápice de mortos por coronavírus entre o fim de julho e o início de agosto, a epidemia esteja em estabilização, mostram dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) analisados por GaúchaZH. Médicos destacam, no entanto, que o período observado é curto e que as próximas semanas, nas quais se observará em hospitais o impacto da flexibilização das atividades, serão decisivas para apontar se de fato o Estado caminha para um cenário mais seguro.
Por enquanto, especula-se se o Rio Grande do Sul entrou em uma estabilidade passageira ou em um platô.
A semana entre 28 de julho e 3 de agosto foi a mais mortífera no Rio Grande do Sul, um período no qual o coronavírus vitimou cerca de 61 pessoas por dia, momento a partir do qual a média de vítimas caiu sucessivamente até atingir uma estabilidade. Uma semana depois, por exemplo, eram 48 óbitos diários, como mostra o infográfico a seguir. A reportagem entende estabilidade como uma variação menor de 10%.
O cálculo, feito por GaúchaZH, representa a média móvel (soma de óbitos no intervalo de sete dias, dividido por sete). Tal análise é recomendada por especialistas para acompanhar o andamento da epidemia de forma mais precisa porque reduz variações pontuais de dias em que há menor entrega de resultados de testes.
A ocupação das unidades de tratamento intensivo (UTI) vem caindo semanalmente — nesta segunda-feira (24), o número de pacientes internados com coronavírus foi o menor dos últimos 25 dias. O número de casos aparenta crescimento, porém não há consenso sobre se é resultado de piora da epidemia ou de maior testagem. Por isso, médicos afirmam que indicadores de mortes e de UTIs são mais confiáveis — nesses, há melhora.
Outro sinal positivo é que, agora, é necessário mais tempo para a epidemia dobrar o número de vítimas: cem dias transcorreram para o Estado chegar a mil mortos e apenas 21 dias para o total de óbitos crescer 100% – porém, nos 19 dias seguintes, completados no sábado (22), a epidemia vitimara 3 mil vítimas, um aumento de 50%, e não 100%, destaca o professor de Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jair Ferreira.
— Isso dá sinal de curva inflexiva. Parece que ultrapassamos o pico ou estamos no platô, mas ainda não dá para ter certeza porque só há uma semana de estabilização, já que depois do dia 15 (de agosto) os números ainda devem mudar. Se for uma estabilização, é em patamares intermediários, porque não estamos em níveis de outros Estados do Brasil, mas países como Argentina e Uruguai têm menor mortalidade do que nós. O mês de setembro será fundamental para dizermos se de fato houve platô ou não — afirma Ferreira.
A ressalva do epidemiologista ocorre porque estatísticas dos últimos 14 dias costumam ser atualizadas retroativamente, conforme saem resultados de testes. Na prática, a redução de até duas semanas atrás pode ser menor do que parece ou mesmo se transformar em aumento.
Em dias mais recentes, houve pequeno crescimento no número de mortes em relação ao dia anterior, mas sempre em uma variação de até 10%. Na análise realizada por GaúchaZH a partir dos dados divulgados diariamente pela SES com base nos registros de vítimas (ou seja, a data em que são inseridos no sistema, e não quando ocorrem), há aumento no número de mortos.
Um segundo fator é que estatísticas de mortes correspondem à realidade de duas a três semanas atrás — portanto, ainda não refletem a abertura das atividades em Porto Alegre e o modelo de cogestão do distanciamento controlado entre governo do Estado e prefeitos.
— Parece que, nas últimas semanas, não há tendência de aumento da mortalidade e que vamos para um platô um pouco parecido com o do país. Mas esse platô é sujeito a incremento, e me parece que estamos sujeitos à manutenção ou à piora dos indicadores, dado o processo de naturalização da pandemia pela sociedade. Por mais que haja protocolos, os sinais produzidos são de normalização para futebol e comércio. Depois das escolas, não haverá restrição importante de circulação — afirma o médico Ronaldo Hallal, membro do Comitê para Covid-19 da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia.
Até agora, o Rio Grande do Sul tem a quarta menor taxa de mortalidade entre todas as 27 unidades federativas brasileiras: 26,9 vítimas a cada 100 mil habitantes. Em primeiro lugar, está Minas Gerais (22,6) e, em pior cenário, Roraima (95,6).
Comparado a países, o Rio Grande do Sul tem, proporcionalmente, menos mortes do que Suécia, Itália, França e Reino Unido, mas mais do que Alemanha, Uruguai, Argentina e Portugal.
— Se o Brasil tem taxa elevada de óbitos em relação a vários países do mundo, ter a quarta menor taxa do Brasil não é motivo para dizer que estabelecemos uma estabilização segura. Sim, temos uma taxa de mortalidade muito menor e evitamos muitos óbitos. Mas, talvez, com outras medidas, poderíamos ter menos — afirma o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). — A epidemia parece estabilizada até aqui. Daqui para frente, não é possível dizer. A tendência sempre é de expansão, enquanto o vírus encontra obstáculos — acrescenta.
Em entrevista a GaúchaZH na sexta-feira (21), a coordenadora do Comitê de Dados do governo Eduardo Leite, Leany Lemos, pediu que o Estado fosse comparado a outras regiões brasileiras, e não a países, uma vez que a gestão da pandemia no Brasil foi afetada pelos discursos contraditórios entre governo federal e Estados e porque a estrutura de saúde do Brasil é diferente da de países europeus.
— O pior momento do Rio Grande do Sul é um dos melhores do Brasil. Estamos mais próximos da média de mortes de Portugal do que a brasileira. Julho e início de agosto parecem ter sido o pior. Esperaria mais uma semana para cravar que os óbitos estão caindo — afirmou Leany.