Prefeituras do Rio Grande do Sul vêm adotando a distribuição massiva de remédios para prevenir a covid-19, dentre eles, a ivermectina. Contudo, o fármaco — indicado para sarna, lombriga e piolho, entre outras — não tem eficiência comprovada cientificamente contra a doença. Em entrevista ao Gaúcha+, o professor da escola de medicina da PUCRS e chefe do serviço de pneumologia do Hospital São Lucas, José Miguel Chatkin, ressaltou que, neste momento, não há qualquer medicamento com o qual possa ser feito um tratamento profilático da doença.
— Infelizmente, nesse momento não temos nada que justifique uma profilaxia do ponto de vista populacional — enfatizou — Nós estamos com essa doença circulando em torno de noventa dias. Isso é muito novo para que se saiba o comportamento de uma doença e como a gente pode combater — disse.
De acordo com Chatkin, a possibilidade de que o fármaco pudesse ter propriedades antivirais já havia sido levantada, sendo retomada no contexto da pandemia. O médico afirmou que atualmente pode-se observar que, em laboratório, o vírus em contato com a droga tem seu tempo de multiplicação aumentado, tornando o processo mais difícil. Contudo, ressaltou, é possível que não funcione em humanos porque a dose necessária para ter essa ação é muito mais alta — e, em seres vivos, é necessário levar em conta a questão da toxicidade.
— O que se tem é uma droga promissora que precisa ainda ser avaliada e quem sabe uma leve modificação para que ela possa ser usada em seres humanos — disse. — Um outro ponto é que essa droga não atinge níveis adequados no aparelho respiratório. Ou seja, onde tem a maior concentração inicial do coronavírus é no aparelho respiratório, depois se torna uma doença sistêmica. Ele não chega no aparelho respiratório em dose suficiente para alterar o funcionamento do vírus — explicou.
Por meio de nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que não recomenda o uso do medicamento no tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus, por conta da falta de pesquisas que atestem sua eficácia. Além disso, Chatkin, que preside a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, afirmou que a sociedade médica só pode se posicionar favoravelmente ao uso de algum medicamento quando há comprovação do ponto de vista científico. Contudo, há outro ponto, que a prescrição individual. Ele defendeu que o profissional não apenas pode, como deve usar aquilo que acredita, pois sabe da situação do paciente e o que será melhor para ele.
— Eu, Chatkin, para meus pacientes não prescrevo. Não só porque não estou acreditando nisso, mas porque também tenho uma posição associativa que tem uma responsabilidade maior que uma posição individual — afirmou.
Ouça, abaixo, a entrevista na íntegra:
De acordo com Chatkin, os efeitos colaterais da ivermectina ocorrem no aparelho digestivo.
— Dor, um pouco de diarreia, náuseas, em algumas situações pode ter algum problema hepático, alteração das enzimas do fígado. Mas, não se tem usado doses suficientes para que se possa avaliar — disse. — O efeito adverso nesse momento principal é que possa estar levando para a população uma sensação de proteção, o que não existe. Ela vai ter a falsa sensação de que está protegida, e com isso ela se cuida menos, vai mais à rua, deixa de usar máscara, álcool em gel, essas coisas que a gente sabe que são fundamentais. — acrescentou.
Por fim, o profissional de saúde comentou sobre o uso da hidroxicloroquina, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Lembrou que, há alguns dias, foi publicado um estudo na New England Journal of Medicine — uma das mais prestigiadas publicações na área da medicina —o qual atestava a ineficiência do uso do medicamento contra a covid-19. A diferença entre este remédio e a ivermectina, ressaltou, é que ele pode ter efeitos adversos graves.
— Como a covid-19 tem uma situação muito peculiar de que em torno de 80% dos pacientes vão ficar bem, ou ficam com sintomas muito leves, ou mesmo assintomáticos, 15% em torno disso são hospitalizados e em torno de 5% são críticos, o que nós temos que julgar é isso — lembrou