A aposentada Maria Vani da Cruz Lira, de 81 anos, que é diabética e hipertensa, viu a glicemia passar dos 500 mg/dl em maio. O fato de não poder mais sair de casa, por estar no grupo de risco para a covid-19, é apontado pela aposentada como motivo para essa variação. Com o isolamento, conta, deixou de fazer atividades rotineiras, como ir à fisioterapia, ao mercado e à livraria.
— Esse foi o pico, mas (o nível) não para, nem embaixo, nem em cima — disse ela, que aplica insulina três vezes ao dia, com a ajuda de seu cuidador.
Essa alteração nos níveis glicêmicos já vinha sendo apontada em uma pesquisa feita com entidades do mundo todo, incluindo a Universidade de São Paulo. Segundo o estudo, feito com 1,7 mil brasileiros entre os dias 22 de abril e 4 de maio — e publicado no dia 3 de julho na revista Diabetes Research and Clinical Practice — mais da metade (59,4%) dos entrevistados relatou aumento, diminuição ou alta variabilidade na taxa de glicose no sangue.
A conclusão do levantamento sobre o impacto da pandemia sobre diabéticos no Brasil é que a mudança de rotina levou a esse resultado. A maioria dos questionados (95%) passou a ficar mais tempo em casa e diminuiu a atividade física, sendo que 53% teve mais acesso à internet e 49% aumentou o tempo em frente à televisão. Outro dado apontado pelo estudo é que 38,4% desses pacientes com diabetes adiaram consultas médicas e exames de rotina por causa da quarentena.
Segundo Mark Barone, vice-presidente da Federação Internacional de Diabetes e primeiro autor da pesquisa, os entrevistados que sofrem de diabetes tipo 2 (o mais comum) apresentaram menos alterações comportamentais – em relação àqueles com diabetes tipo 1 (que fazem uso de insulina) –; por outro lado, são os que costumam ter outras enfermidades associadas, como doenças cardiovasculares e obesidade, além de idade mais alta.
— Essas condições aumentam ainda mais o risco para a severidade da covid-19 caso infectadas (as pessoas com essas condições) — afirma o pesquisador da USP.
Se o nível de estresse provocado pelas incertezas da pandemia já tem impacto sobre a saúde mental das pessoas de modo geral, para aquelas que têm diabetes a situação é ainda mais complicada. A associação de ansiedade, sedentarismo e alimentação inadequada fez com que o autônomo Edilson Souza Santos, de 52 anos, precisasse tomar insulina no hospital.
No começo de julho, o nível de glicose (que ele próprio mede com frequência em casa) foi a 410 mg/dl:
— Meu colesterol e triglicérides já estavam altos também, por conta da pandemia, e só foi piorando conforme o dinheiro foi acabando. Você não pode sair e, em casa, a ansiedade é tão grande que você fuça as gavetas e acaba comendo um doce que sabe que nem pode comer.
Passado o susto, ele comprou um aparelho de ginástica elíptico para substituir a caminhada que fazia na praça perto de sua casa, no Jardim Damasceno, na zona norte de São Paulo.
— Faço 40 minutos por dia, estou tomando remédio e, agora, sei também, que preciso fechar a boca — relata.
Segundo Mark Barone, a Organização Mundial da Saúde tem alertado desde o início da pandemia para os riscos à saúde mental desse novo cenário.
— E sim, a ansiedade pode tanto ter efeito biológico direto sobre a glicemia, levando à liberação de hormônios que aumentam a glicemia, quanto levar a comportamentos que contribuirão para isso, como aumento do consumo de alimentos — explica.
A aposentada Maria da Conceição Neves, de 63 anos, é diabética e não sabe afirmar se teve alteração na glicemia durante a quarentena, até porque tem se sentido bem fisicamente e garante ter uma alimentação regrada, mas conta que engordou 2 kg desde o começo da pandemia por não praticar mais atividade física.
— Eu moro em Mongaguá (litoral sul paulista) e fazia caminhada na praia, mas parei porque tenho muito receio — conta.
Também hipertensa, ela faz acompanhamento com endocrinologista duas vezes ao ano, mas não vai ao médico — nem fez os exames de rotina — desde o começo da pandemia.
Frequência de acompanhamento médico
O coordenador do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes da Unicamp e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Bruno Geloneze, diz que a recomendação mundial para controle da diabetes é que o acompanhamento seja feito pelo menos de três a quatro vezes ao ano, e que a menor frequência faz com que pacientes diabéticos "diminuam a adesão às orientações dietético-comportamentais".
O que não pode ser afetada de maneira alguma na quarentena, segundo o médico, é a distribuição da medicação para os dependentes de insulina, especialmente os que têm diabetes tipo 1. Já sobre a prática de atividade física, Geloneze recomenda fazer, em casa mesmo, de 30 a 40 minutos de caminhada moderada por dia:
— Se conseguir completar quatro horas por semana, já está ótimo.
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Veja os números da pesquisa:
Entre os entrevistados que monitoram a glicemia (91%), os níveis glicêmicos:
- Variaram mais: 31%
- Aumentaram: 20%
- Diminuíram: 8,2%
Hábitos diferentes
- 95% dos entrevistados passaram a ficar mais tempo em casa
- 53% acessaram mais a internet
- 48,8% passaram mais tempo vendo televisão
- 38,4% adiaram consultas médicas e exames de rotina
- 59,5% reduziram atividade física
Perfil dos participantes (1.701 no total)
- 75% mulheres
- 78% com idade entre 18 e 50 anos
Tipos de Diabetes
- Tipo 1: 60%
- Tipo 2: 31%
Conclusões
- Durante a quarentena, os diabéticos alteraram hábitos fundamentais para o controle da doença;
- O isolamento atrasou a realização de exames e consultas de rotina.
Fontes: Revista Diabetes Research and Clinical Practice, Universidade de São Paulo e Mark Thomaz Ugliara Barone, vice-presidente da Federação Internacional de Diabetes e pesquisador da USP