Uma curta declaração feita na quarta-feira (17) pelo diretor-executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, foi ouvida como o primeiro sinal de esperança em muito tempo para os brasileiros diante da pandemia: o avanço do coronavírus perdeu força no país. Mas a notícia deve ser recebida com prudência. Dados indicam que, apesar da queda na taxa nacional de contaminação, o cenário muda conforme a região do país e ainda demonstra indícios de crescimento em áreas como o Sul e o Centro-Oeste.
O otimismo contido da OMS é motivado por estudos que apontam uma menor circulação do vírus. Um deles, do Imperial College de Londres, observa que esse índice caiu ao longo das últimas três semanas e está em 1,05. Outro cálculo, do grupo Covid-19 Analytics, formado por pesquisadores da PUC-Rio e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observa uma taxa de 1,14 — cem infectados passam o coronavírus para outras 114 pessoas. Há um mês, esse número estava em 1,55 e, mais 30 dias antes, em 1,73.
Uma taxa acima de 1 demonstra expansão sem controle da epidemia e, abaixo de 1, sinaliza que as atividades podem ser retomadas, desde que com cuidado. O indicador, no entanto, depende do número de testes, e o Brasil enfrenta um grande problema de subnotificação pela falta de exames. Há outros motivos para manter a máscara no rosto e continuar fiel aos protocolos de higiene. Um deles é que a situação pode mudar na velocidade de um espirro.
— Este é o momento de redobrar a cautela, pois já vimos em outros países que uma estabilização pode rapidamente se transformar em um aumento — afirmou Ryan, em pronunciamento na OMS.
O Brasil segue como um dos epicentros mundiais da pandemia, com o segundo maior número de casos e de mortos por coronavírus depois dos Estados Unidos, e apresenta muitas diferenças regionais. Uma análise dos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde mostra que, nos últimos sete dias, o número de mortes encolheu 4,2% no país em comparação à semana anterior. Mas essa queda não foi homogênea.
Os óbitos diminuíram no Norte, no Nordeste e no Sudeste nesse período (veja no gráfico), com destaque para Estados como Pará (-73%), Amazonas (-4,2%) ou Pernambuco (-7,4%), que chegaram a registrar dezenas de mortos por dia. Ao mesmo tempo, regiões que até agora não enfrentaram problemas como colapso hospitalar seguem em sentido oposto. No Sul, as mortes cresceram 33,8%, e, no Centro-Oeste, 77% — embora ainda contados em poucas centenas. Capitais como Porto Alegre e Curitiba vêm registrando aumento na ocupação de UTIs, hoje ao redor de 80%.
Especialistas explicam essas diferenças pelo tamanho continental do país: falar de um único pico no Brasil equivale a apontar um único pico para toda a Europa. A curva epidêmica brasileira é, na verdade, um grande guarda-chuva que abriga (e, ao fim, soma) as 27 curvas menores que ocorrem no território.
— Na Idade Média, a epidemia de peste na Europa acontecia numa cidade e migrava para outra. Você pode ter uma visão global, mas, do ponto de vista da transmissão, há múltiplas epidemias e surtos localizados que se somam. A epidemia em Manaus já deve ter chegado ao pico — afirma Marilia Sá Carvalho, médica epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Alguns Estados parecem ter atingido certa estabilização, com taxas de transmissão em queda nas últimas semanas. É o caso de Amazonas, Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro e até São Paulo. Outros locais apontam para um crescimento no número de novos casos: dos quatro Estados com taxa de infecção acima de 1,5, três estão no Centro-Oeste do país — Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul — e um no Nordeste, Sergipe (veja no gráfico).
— Os Estados estão em momentos diferentes da epidemia. No Brasil como um todo, a gente ainda vê, nos próximos 14 dias, uma tendência de crescimento dos novos casos, mas de estabilização no número de novas mortes. A epidemia não está acabando, mas cresce em um nível menor, sem comportamento exponencial. Teremos, no entanto, umas duas semanas críticas vendo os efeitos da abertura realizada por alguns Estados — diz o professor do Departamento de Economia da PUC-Rio Marcelo Medeiros, especialista em econometria e um dos coordenadores do projeto Covid-19 Analytics.
RS tem taxa de crescimento acima da média nacional
No Rio Grande do Sul, a taxa de contágio verificada até a quinta-feira é de 1,31, acima da média nacional de 1,14 e em aparente ritmo de aumento segundo cálculo do grupo Covid-19 Analytics.
Há um mês, o Estado chegou a registrar 1,9, mas, uma semana atrás, era 1,16 e passou a apresentar tendência ascendente. Essa taxa é dinâmica e pode variar dia a dia conforme o número de novos casos. Como um dos itens do cálculo é a quantidade de pacientes identificados, pode variar também conforme a maior ou menor aplicação de testes.
Um estudo da Funcional Health Tech, uma plataforma independente de dados do setor de saúde do Brasil, prevê que os gaúchos vão passar pelo pico da pandemia no final de julho.
— Pelo que vimos, a contaminação aumentou no Rio Grande do Sul a partir de meados de maio. Mas esse é um dado que, de fato, também pode variar de acordo com a testagem — afirma o gerente de ciência de dados da Funcional, Paulo Salem.
Em relação a mortes, a situação do Estado varia conforme o critério utilizado. De acordo com o Ministério da Saúde, que tabula os dados pela data de notificação, os óbitos teriam crescido 22% em uma semana. Pela conta da Secretaria Estadual da Saúde, que toma como base o dia da morte, teria ocorrido recuo de 12,9%.
Pelo critério mais consolidado, com base nos dados das semanas epidemiológicas (que têm períodos pré-definidos), teria ocorrido aumento de 18% nas mortes entre os dois últimos períodos já fechados. De qualquer forma, especialistas são unânimes em dizer que a pandemia não terminou e seguirá exigindo esforço da população por um bom tempo para evitar que o coronavírus ganhe novo impulso.