Um problema que atinge com força outros Estados do país tem começado a afetar o Rio Grande do Sul nas últimas semanas. Sem conseguir comprar ou receber medicamentos sedativos e anestésicos – usados em procedimentos com anestesia e em pacientes entubados –, hospitais têm passado a restringir cirurgias eletivas, conforme levantamento de GaúchaZH.
Em Canoas, a prefeitura anunciou a medida no domingo (28): a partir desta segunda (29), os hospitais Universitário e Nossa Senhora das Graças não realizam mais cirurgias eletivas. Além da sobrecarga no sistema e da falta de funcionários, a prefeitura identificou que estoques de medicamentos começaram a baixar.
Apesar de algumas trocas feitas com outros municípios, a prefeitura tem dificuldade de fazer compras destes itens, pois as empresas dizem que não têm como garantir prazo de entrega. Alguns medicamentos podem ser substituídos por outros, mas há preocupação com os próximos dias:
— Estamos reduzindo cirurgias eletivas justamente para evitar o consumo de medicamentos importantes em leitos de UTI. Se isso perdurar por mais algumas semanas, preocupa. Eu diria que duas semanas seria o limite. Se não corrigirmos os estoques regulares, a gente vai ter o esgotamento desses medicamentos, inviabilizando o atendimento em UTIs — alerta o secretário de Saúde de Canoas, Fernando Ritter.
A mesma medida foi tomada no Hospital Vida e Saúde, de Santa Rosa, no Noroeste – o único do município e referência para mais de 70 cidades da região. Alguns medicamentos estão em falta, e outros, com estoque baixo. Até entregas programadas estão sendo suspensas pelas empresas.
— Não sabemos como vai ser a regularidade do fornecimento para podemos manter o estoque para aqueles pacientes que precisam de ventilador ou de cirurgias de emergência. Estamos muito preocupados com a questão da disponibilidade do anestésico. Pacientes com coronavírus em UTIs ficam 15, 20 dias, e precisam do medicamento todo o tempo, por isso aumentou o consumo. Este é um reflexo da pandemia — preocupa-se a diretora-geral, Vanderli de Barros.
Também no Noroeste, o Hospital de Caridade de Ijuí está com as cirurgias eletivas suspensas a partir desta semana – com exceção dos procedimentos que envolvem pacientes oncológicos e cardiopatas. Como em outros casos, os fornecedores consultados dizem que não têm os medicamentos a pronta-entrega.
— Com a suspensão de outros procedimentos que demandam intubação e anestesia geral, conseguimos priorizar os pacientes urgentes. Temos reavaliado a situação diariamente e feito uma busca ativa de fornecedores. O que mais falta são os bloqueadores neuromusculares e os opioides. Felizmente ainda tínhamos um estoque dos básicos, mas, daqui a pouco, poderemos ter que cancelar outras cirurgias — projeta o diretor-técnico da instituição, Daniel Schröder.
Até hospitais que não possuem leitos de UTI decidiram tomar a mesma medida. É o caso do Hospital Leonilda Brunet, em Ilópolis, no Vale do Taquari. O diretor Fernando da Gama explica que a cidade não tem casos de coronavírus, mas que a dificuldade para adquirir os medicamentos anestésicos levou a administração a tomar esta decisão:
— Nós somos um hospital pequeno e temos observado que a demanda está muito grande para a baixa quantidade disponível no mercado. No grupo de fornecedores, não estamos conseguindo a medicação, e o distribuidor também estava aguardando chegar. Estamos guardando os medicamentos para eventuais urgências.
No Hospital de Clínicas de Passo Fundo, as cirurgias eletivas estão andando em ritmo mais lento, com determinadas áreas sendo priorizadas a cada semana.
— Ainda não precisamos suspender as cirurgias, mas estamos acompanhando diariamente os estoques. A grande dificuldade é com os opioides, por isso racionalizamos as cirurgias. Hoje podemos passar os próximos 15 dias com tranquilidade. Depois, fica difícil — diz o administrador Luciney Bohrer, também vice-presidente da Federação das Santa Casas e Hospitais Beneficentes, Filantrópicos e Religiosos do Estado.
O Hospital Vila Nova, em Porto Alegre, informou que também precisou suspender algumas cirurgias eletivas em função da falta de seis tipos de medicamentos. Ainda na Capital, o Hospital de Clínicas relatou que os produtos estão chegando de forma parcelada, mas que o hospital não ficou em nenhum momento sem estoque – cirurgias eletivas já estavam restritas, mas não devido à falta dos remédios. Os hospitais Conceição e Santa Casa informaram que não há falta deste tipo de item.
Levantamento identificou estoques baixos
Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em todo o país identificou que há falta de medicamentos. São sedativos, anestésicos, bloqueadores neuromusculares e medicamentos adjuvantes na sedação, utilizados na intubação e na manutenção da intubação.
Os dados foram obtidos entre 19 e 22 de junho junto a secretarias estaduais e municipais - inclusive a secretaria do Rio Grande do Sul.
No Estado, dentre 22 medicamentos pesquisados, dois estavam em falta. Outros dois tinham estoque para entre dois e quatro dias, e outros dois, entre 12 e 18 dias (veja lista abaixo). O levantamento leva em conta os hospitais incluídos no Plano de Contingência estadual.
Embora gere preocupação de gestores de hospitais e de entidades médicas, a situação do Rio Grande do Sul é menos preocupante do que em outros Estados. No período do levantamento, Mato Grosso tinha 13 medicamentos zerados, e Maranhão e Ceará, 12. O número chegava a 11 no Tocantins e no Amapá, e a 10 em São Paulo e no Rio Grande do Norte.
Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou, em nota, que a responsabilidade de compra é dos próprios hospitais junto aos fabricantes e distribuidores. A pasta destacou que, neste momento de pandemia, foi identificada uma dificuldade de aquisição em nível nacional. A informação recebida é de que o Ministério da Saúde fará uma licitação para suprir a carência de forma emergencial.
Já o Ministério da Saúde disse, em nota, que está realizando conversas com laboratórios e entidades e que conta com o apoio do Ministério da Defesa para identificar o problema.
A Federação das Associações e Municípios do RS (Famurs) e a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Estado também divulgaram nota manifestando preocupação com a questão. Conforme as entidades, a utilização dos sedativos em UTIs nos últimos três meses equivale ao total aplicado em 2019, e a aquisição é prejudicada pela alta demanda e pela elevação de preços.
Medicamentos com estoque baixo ou zerado no RS
Período: 19 e 22 de junho
- Propofol 10 mg/ml (volume 100 ml): estoque zerado
- Cisatracúrio, besilato 2mg/ml (volume 10ml): estoque zerado
- Atracúrio, besilato 10mg/ml (volume 5ml): estoque para 2 dias
- Cisatracúrio, besilato 2mg/ml (volume 5ml): estoque para 4 dias
- Fentanila, citrato 0,05 mg/ml (10ml): estoque para 12 dias
- Rocurônio, brometo10 mg/ml (volume 5 ml): estoque para 18 dias
O que diz a Secretaria Estadual da Saúde
“A compra desses medicamentos de uso hospitalar é de responsabilidade dos próprios hospitais junto aos fabricantes e distribuidores. Neste momento de pandemia, foi identificada uma dificuldade de aquisição de medicamentos de uso hospitalar em pacientes portadores da Covid-19 por parte dos hospitais em nível nacional.
A Secretaria da Saúde do Estado fez um levantamento de consumo diário nos hospitais do Plano de Contingência Hospitalar do RS e do estoque existente. Esse levantamento foi enviado ao Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde dos Estados).
A informação em nível nacional é que o Ministério da Saúde irá realizar uma licitação nacional em parceria com Conass e Conasems para suprir essa carência emergencial.”
O que diz o Ministério da Saúde
“O Ministério da Saúde informa que a seleção, aquisição e distribuição dos anestésicos e seus adjuvantes e os neurorelaxantes que estão sendo utilizados pelos hospitais de referências nos planos de contingência para o combate à COVID-19 são de responsabilidade dos municípios ou dos próprios hospitais.
Contudo, após receber as primeiras informações sobre possíveis falta destes medicamentos, diante do cenário de pandemia por COVID-19, a pasta vem realizando conversas com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e com os laboratórios farmacêuticos nacionais e entidades representantes, com o apoio do Ministério da Defesa (MD), para identificar possíveis problemas relacionados à falta destes medicamentos. Assim, o Ministério da Saúde está adotando as providências que lhe cabem nesta situação para acompanhar o regular abastecimento destes medicamentos.
Quanto aos estoques e distribuição, é uma estratégia de responsabilidade das Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal, bem como a programação, armazenamento e dispensação de medicamentos.
Vale ressaltar que é importante procurar a secretaria de saúde local para ver a questão dos estoques.”