Por Alexandre Wolff
Arquiteto, urbanista e engenheiro de segurança do trabalho
Valencia, Espanha, 18 de março de 2020. Meu nome é Alexandre Wolff, sou arquiteto urbanista, engenheiro de segurança do trabalho, tenho 45 anos, sou brasileiro/alemão e resido em Valencia há pouco menos de um ano. Mas o mais importante é que me classifico como um humanista eternamente otimista.
Estou no quarto dia de um estado de exceção decretado pelo governo espanhol, aqui denominado “estado de alerta”, uma ferramenta constitucional que tira direitos de pessoas, empresas e sociedade em geral, a critério do Estado. Tal situação não é comum na sociedade democrática contemporânea, a não ser que a situação seja grave perante a todos — caso do coronavírus.
Pelo observado até o presente momento, estamos falando de algo que, ademais de impactar seriamente a saúde das pessoas, terá um impacto econômico tremendo. A sociedade do início do século 21 é muito distinta da sociedade que conhecíamos antes. A Europa não tem fronteiras devido ao Acordo de Schengen. O mundo encontra-se interligado entre pessoas. Ou seja, além da velocidade de propagação do vírus ser extremamente rápida, o mundo encontra-se interligado de uma forma nunca antes vista.
Como é possível observar aqui na Espanha, todos os comércios e serviços encontram-se fechados.
A Espanha é o pais que mais possui bares per capita no mundo, a vida e a socialização ocorrem em bares, restaurantes e em seu inúmeros espaços públicos. O espanhol é muito callejero — “rueiro”, como diríamos no Rio Grande do Sul. O fechamento desses espaços e a obrigatoriedade de ficar em casa é um golpe para qualquer ser humano. Para um espanhol, é uma facada em seu coração. Seu estilo de vida foi confiscado por um vírus, e por um período indeterminado...
Somando bares e restaurantes ao turismo, a economia é avaliada em torno de 120 bilhões de euros ao ano, algo em torno de 6% a 7% do PIB do país e mais de 1,7 milhões de pessoas empregadas. Quase 9% dos espanhóis trabalham nesses setores.
Os empresários ligados a hosteleria, como eles chamam o setor aqui, em sua grande maioria são pequenos e médios empresários, que muitas vezes trabalham em família ou tem um número pequeno de empregados. Pagam aluguel, impostos, salários, e, tendo suas receitas travadas por um período ainda não determinado, seguramente passarão por dificuldades no retorno a suas atividades laborais.
O desafio é os governos não se acovardarem e traçarem um plano digno para a sociedade, ao invés de deixar na mão dos bancos as determinações de juros e prazos e para quem será emprestado o dinheiro. Sob pena de enforcar ainda mais o pequeno e médio empresário.
Usei esse setor como exemplo. Mas podemos vislumbrar tal situação em outras atividades, oficinas mecânicas, lojas de roupas, companhias aéreas, salões de beleza e estética, fábricas de aço e de plástico (por mais politicamente incorretas que sejam), indústrias química, automotiva e aeronáutica e todas as suas cadeias de fornecimentos. Por fim, não existirá setor que não seja impactado.
Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA injetaram US$ 14 bilhões na Europa para reerguê-la com o Plano Marshall — valor atualizado até 2018 com base na inflação. Não sou economista, mas posso dizer que esse montante, hoje, não daria para tapar a cárie de um dente, que dirá fazer o mundo sorrir novamente.
O desafio é os governos não se acovardarem e traçarem um plano digno para a sociedade, ao invés de deixar na mão dos bancos as determinações de juros e prazos e para quem será emprestado o dinheiro. Sob pena de enforcar ainda mais o pequeno e médio empresário, uma vez que, quanto aos grandes, há interesses para não quebrarem. Os conceitos de Adam Smith de regulação natural do mercado não devem ser aplicados agora.
Vejo uma oportunidade de quebra de paradigma, mas, para isso, os governantes teriam que governar com o coração. Com humanidade. É chegada a hora de a sociedade que se encontra em quarentena começar a pressionar os governantes nesse sentido. Precisaremos de prazo para pagar impostos que atrasarão, empréstimos e juros baixos.
Para muitos, isso soará utópico. Acredito que seja mais humano. E menos monetário. Seria lindo ver o mundo florescer novamente, com força e esperança justamente em um momento tão difícil que se avizinha.