O coronavírus parou a Itália. As ruas, sempre apinhadas de turistas e agitadas pelo vaivém de pedestres e automóveis, ficaram vazias e silenciosas. Em Roma, cartões-postais como a Fontana di Trevi e o Panteão estão cercados apenas pelas pombas, com escassos visitantes posando para fotos.
Atrações que recebem milhares de turistas interromperam as atividades. O Vaticano fechou a Praça e a Basílica de São Pedro para impedir a disseminação da doença. O mesmo ocorre no Coliseu e no Fórum Romano, duas das estruturas históricas mais visitadas do mundo. Muitos restaurantes e cafeterias fecharam, e os que funcionam atendem parcos fregueses.
O cenário avança ao ritmo em que cresce o número de casos. Mais de 10 mil pessoas contraíram a covid-19 na Itália, e 631 morreram. Na terça-feira (10), uma contagem apontou que 168 pacientes haviam morrido nas 24 horas anteriores em razão do coronavírus. É o segundo país mais afetado pela doença no mundo, atrás apenas da China, e aquele com maior índice de mortalidade – 6,21% dos infectados foram a óbito.
— Os hospitais estão um caos, com superlotação e fila de espera. A cidade costumava ser muito calma, e agora estão todos em pânico. Passamos de um extremo ao outro — pontua a escritora Doralice Salton Schneider, 65 anos, de Novo Hamburgo, que está em Treviso, na região do Vêneto, desde o início do mês, para providenciar documentos para a obtenção de sua cidadania.
O governo italiano determinou, na segunda-feira (9), medidas duras para conter o surto. O país ampliou a quarentena que já tinha sido colocada em prática na Lombardia, epicentro do contágio, no norte do país. A circulação de pessoas entre cidades ficou restrita a questões relativas a saúde ou trabalho. Escolas e faculdades suspenderam as aulas.
Para evitar aglomerações, reuniões públicas – inclusive missas, casamentos e funerais – foram proibidas, assim como competições esportivas, entre elas partidas de futebol. Museus e sítios históricos interromperam as visitações. Quem descumprir as regras está sujeito a três meses de prisão e multa de 206 euros (cerca de R$ 1,1 mil). As medidas valem para toda a Itália pelo menos até 3 de abril.
Nesta quarta-feira (11), o governo tomou uma decisão ainda mais dura. Apenas farmácias e estabelecimentos que vendem comida poderão funcionar na Itália nos próximos dias, declarou o primeiro-ministro do país, Giuseppe Conte. Bares e lojas ficarão fechados.
— O mais difícil é manter a saúde mental com esse clima — relata Carlos Morejano, 40 anos, pianista porto-alegrense radicado há 10 anos em Rovigo, no Vêneto. – Vários sentimentos se sucederam. Primeiro, foi uma dúvida. Depois, um pouco de tensão, por causa do pronunciamento do primeiro-ministro sobre o fechamento das províncias. Agora, a gente já está passando para o estágio da aceitação.
Ele explica que a clausura gera situações curiosas. A Netflix e outros serviços via internet estão gratuitos para quem está na Itália. O governo orientou que apenas uma pessoa por família vá às compras nos supermercados para evitar multidões em locais públicos.
— Na foto de um canal de Veneza vi o que nunca tinha visto em 10 anos de Itália: a água estava límpida e se viam os peixinhos no fundo, coisa que não ocorre nunca porque a cidade está sempre muito cheia e muito poluída — conta.
Um dos primeiros efeitos do combate ao contágio iniciado há cerca de três semanas nos arredores de Milão, onde o coronavírus foi detectado primeiro na Itália, foi o corre-corre em supermercados e farmácias da região. Itens como álcool gel e máscaras de proteção sumiram das prateleiras e das lojas online ou tiveram preços multiplicados em até 20 vezes. Produtos como espaguete e molho, fáceis de estocar e de longa validade, foram levados aos montes.
— O movimento nos supermercados de muitas cidades italianas, quando o governo anunciou a quarentena na Lombardia, parecia de véspera de Natal. As pessoas lotavam os carrinhos e disputavam os produtos — relata a gaúcha Daniella Poli Andreini, 52 anos, que esteve na Toscana com o marido, Alessandro David Andreini, entre 31 de janeiro e 7 de março.
O impacto no comércio e nos serviços foi imediato. Um amigo italiano do casal que trabalha em um hotel em Viareggio, no litoral italiano, relatou que 90% das reservas foram canceladas. Os preços de hotéis quatro estrelas de Veneza, por exemplo, caíram de 200 euros para 50 euros em razão do sumiço dos turistas. Outro amigo de Daniella e Alessandro que trabalha em uma locadora de veículos conta que os pedidos caíram de 50 para cinco automóveis por dia. A cautela dos viajantes não se replicava, até então, nos órgãos públicos de algumas cidades.
— Mesmo antes da quarentena, já havia um apelo do governo italiano para que as pessoas tivessem cautela para evitar aglomeração. Mas a gente não via controle nem no próprio município. Fui fazer minha carteira de identidade em Pescia (a 50 quilômetros de Florença), havia várias pessoas fazendo fila na repartição pública, e nem um álcool gel ali — afirma Daniella.