Às 17h30min de domingo, o tom de Pablo Lassalle, 44 anos, é de bom-humor e alívio, entrecortados pela tosse. Ele mesmo adoeceu ao longo dos três meses que passou longe da mulher, Hui Zhang, de 33 anos, e da filha, Isabela, de um ano e sete meses. Ambas fizeram parte do grupo de 34 brasileiros ou casados com brasileiros que foram trazidos da China para a Base Aérea de Anápolis, onde ficarão em quarentena por 18 dias em razão da epidemia do novo coronavírus.
— Acabei de conversar com a minha mulher, a Isabela estava dormindo. Ela disse que a comida é muito bem preparada e que tem bastante chocolate. Por ela, disse que passa mais um mês lá — brinca Pablo.
Demorou para o argentino radicado em Palhoça (SC) conseguir brincar com o assunto. Quando a epidemia do novo vírus ganhou os noticiários e a região de Wuhan foi isolada, Pablo entrou em desespero. Chorava de 30 em 30 minutos, se afastou do trabalho como designer e chegou a ter crises pela falta de regulagem de insulina no organismo.
Sofria primeiro pela incerteza em relação à saúde da mulher e da filha, que visitavam aquela região da China para que a família de Hui conhecesse Isabela. Depois, pela hesitação do governo brasileiro, nos primeiros dias, em garantir a retirada dos brasileiros do país.
— No meu caso, a tensão durou até os últimos minutos, porque havia dúvidas se a lei permitiria que a minha mulher, que é chinesa, saísse do país junto com a minha filha. Pode ser uma burocracia, mas também uma insensibilidade. Como é que a minha filha chegou lá? Sozinha? Só relaxei depois do embarque — conta Pablo.
Segundo Pablo, o grupo de brasileiros foi examinado antes do embarque e imediatamente depois. Depois de uma exaustiva viagem de 37 horas incluindo as cinco escalas, eles ficarão por 18 dias em Anápolis, período em que realizaram exames três vezes por dia. Alojados em uma espécie de hotel temporário, eles precisam usar máscaras quando saem dos quartos, equipados com televisão, internet e frigobar. As sete crianças foram recebidas com brinquedos, bilhetes de boas-vindas e berços personalizados. O espaço de convivência conta com uma brinquedoteca. A preocupação maior, agora, é com quem ficou.
— Meu drama terminou. Mas o da minha mulher, não. O pai e as irmãs dela estão lá. E não dá para se dizer que eles estão em quarentena, como os brasileiros agora. Eles estão apenas isolados em um local. Imagina precisar de comida e ir ao supermercado sabendo que uma em cada 100 pessoas da cidade tem o vírus. E se uma delas tocou em algo? — relata Pablo.
De acordo com a sua esposa, ao pavor da contaminação se soma ainda a falta de médicos na China para uma epidemia que, conforme o noticiário local, ainda não atingiu seu ápice. Até o arrefecimento da doença, Pablo, Hui e Isabella conciliam a apreensão por quem ficou com a expectativa do reencontro.
— Vão ser quatro meses longe delas, ao todo. Você acredita que a minha filha mudou? As feições dela estão diferentes, o cabelo está crescido. É tempo demais para ficar longe de uma criança dessa idade. Eu mal consigo esperar para abraçar elas — conta Pablo, com 27 de fevereiro já assinalado no calendário.