Uma paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) se beneficiou de uma técnica inovadora para tratar um aneurisma cerebral. Neurocirurgiões do Hospital São José da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre executaram a delicada intervenção mantendo a mulher acordada, para que eles pudessem perceber, ao longo da operação, qualquer eventual alteração da circulação, evitando a ocorrência de sequelas. Durante o procedimento, a paciente de 42 anos respondeu a perguntas e executou comandos ditados pelos médicos, como o de movimentar braços e pernas.
O aneurisma é o enfraquecimento da parede de um vaso sanguíneo e pode ocorrer em qualquer parte do corpo. No caso de um aneurisma cerebral, se houver ruptura e consequente sangramento intracraniano, o risco de morte é elevado. Por envolver a manipulação de vasos sensíveis, a cirurgia é delicada.
Em novembro, três neurocirurgiões conduziram a operação, entre eles Marcelo Paglioli Ferreira, que destaca o quão incomum é o procedimento, descrito em 2014 pelo médico Saleem Abdulrauf, professor da Universidade de Saint Louis, nos Estados Unidos.
— É a primeira vez que se faz essa cirurgia no Rio Grande do Sul e uma das primeiras vezes no Brasil — afirma Ferreira.
A paciente sofria de fortes dores de cabeça havia um ano, e o aneurisma foi descoberto por acaso, durante as investigações da causa da queixa principal. Semanas depois, mobilizou-se o time para operá-la. Quando o aneurisma é descoberto antes do rompimento, como nesta situação, o risco cirúrgico para o paciente fica reduzido em relação ao indivíduo que, por exemplo, sofre a ruptura do vaso, chega em coma ao hospital e é tratado, mas acaba ficando com sequelas ou morrendo.
Para melhor entendimento, Ferreira recorre a uma comparação: imagine-se uma mangueira de borracha, dessas utilizadas para molhar o jardim. Com o passar do tempo, o material vai envelhecendo e ficando mais frágil, até que se abrem orifícios por onde a água começa a vazar. A imagem serve para pensar no aneurisma: com a parede de um vaso enfraquecida, pode haver rompimento e sangramento. Na operação, é introduzida uma espécie de clipe de titânio para isolar o vaso problemático. O chamado saco aneurismático — vaso onde há o problema — permanece onde está, mas o clipe evita que ele se rompa. No caso desta paciente específica, a intervenção foi feita na artéria cerebral média, localizada entre o olho e o ouvido.
O fato de o paciente estar consciente permite que os médicos saibam imediatamente se houver algum problema no decorrer da operação.
— Às vezes, quando colocamos o clipe, estreita-se muito o vaso normal, o que faz com o que o sangue não passe em volume ou quantidade suficientes, podendo ocorrer uma isquemia (diminuição ou suspensão da irrigação sanguínea). Com o indivíduo acordado, colocamos o clipe o mais justo possível e evitamos qualquer alteração de circulação. Se ela deixasse de falar, mover um braço ou uma perna, teríamos percebido na hora. É muito semelhante ao que se faz nas cirurgias de tumores cerebrais, mas essa operação é muito mais delicada em termos de risco para o paciente e é também mais desafiadora para o cirurgião — explica Ferreira.