Roselaine de Avila Peres, moradora da Tristeza, zona sul de Porto Alegre, será uma sexagenária na segunda-feira (7). O aniversário da contadora aposentada, praticante de corrida e viajante contumaz simboliza o ingresso do Rio Grande do Sul em uma nova era. Projeções realizadas pela SeniorLab, consultoria de mercado voltada ao público mais maduro, detectaram que o dia 7 de outubro de 2019 marca uma virada demográfica histórica no Estado. O número de gaúchos com 60 anos ou mais passará a ser maior do que o contingente de crianças e adolescentes de zero a 14 anos.
O fenômeno do amadurecimento da população é resultado da queda do número de filhos por mulher no país nas últimas décadas, combinado com a longevidade cada vez maior. Uma tendência global, mas que no Brasil vem ocorrendo de forma mais acelerada do que em nações ricas que já fizeram esta transição. E, no Rio Grande do Sul, em um ritmo mais veloz do que a média nacional. A marca alcançada pelo Estado em 2019 só será atingida pelo Brasil em 2031, indicam os cálculos do IBGE, que serviram de base para a conclusão da SeniorLab. Ao mesmo tempo, Porto Alegre é a mais grisalha das capitais.
A participação dos 60+ no total da população brasileira foi multiplicada por três nas últimas oito décadas. Nos próximos quatro decênios, vai crescer ainda mais. Em 1940, apenas 4,1% da população tinha 60 anos ou mais. Em 2019, chega a 13,8%. Em 2060, será 32,2%, praticamente um terço da população. No Rio Grande do Sul, vai chegar a até 35,8% dos gaúchos. O número de idosos quase dobra, para 3,9 milhões de pessoas.
– O Brasil está fazendo a transição de um país jovem para um mais velho de forma muito rápida – diz Márcio Minamiguchi, pesquisador de demografia do IBGE.
O Estado não está preparado ou leva pouco a sério o envelhecimento da população
JUSSARA RAUTH
Presidente do Conselho Estadual da Pessoa Idosa
A vertiginosa mudança no perfil etário traz inúmeros desafios para o país e especialmente para o Estado. Um dos grandes problemas é que, ao contrário de nações hoje desenvolvidos, o Brasil está envelhecendo sem, antes, enriquecer. Um desencontro que tende a ter grande impacto previdenciário. Mas as consequências serão sentidas também na economia, na tecnologia, no planejamento urbano, na mobilidade, na arquitetura, no turismo, no mercado de trabalho, no consumo, no ensino e, claro, na saúde.
Há 40 anos trabalhando na área, a assistente social Jussara Rauth é presidente do Conselho Estadual da Pessoa Idosa. De 2018 para cá, foram realizadas no Estado 190 conferências dos colegiados municipais, até chegar ao encontro gaúcho, em agosto. O diagnóstico é de que as frentes governamentais precisam apurar o passo.
– De modo geral, o Estado não está preparado ou leva pouco a sério o envelhecimento da população. Os serviços são precários e a qualificação profissional para atender essas pessoas, nas mais diferentes áreas, quase inexiste. Em todos os níveis. Os bons projetos de educação, acolhimento, ou de renda para esta população, são isolados, nos municípios pequenos, e a maioria tem origem na iniciativa privada ou sociedade civil – diz Jussara, que cita Veranópolis, na Serra, como uma quase exceção no RS.
O novo perfil da geração 60+
Adversidades à parte, o estereótipo do idoso cansado e dependente, aos poucos, começa a cair. Ultrapassar os 60 anos, hoje, não significa reclusão, mas apenas uma nova fase da vida. É possível manter o dinamismo, ser produtivo no trabalho, estudar e ter novos relacionamentos amorosos.
– Chegar aos 60 é um susto, porque não me sinto com esta idade cronológica. Lembro que, uns 20 anos atrás, quando imaginava alguém com esta idade, pensava em um idoso. E eu sou muito ativa – observa Roselaine, que participa de grupos de corrida, faz trilhas e cita o pai que, aos 87 anos, anda de bicicleta.
Pesquisador do tema da longevidade, o professor da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Emilio Moriguchi aponta as grandes diferenças, em poucas décadas, na imagem que simbolizaria o idoso.
A geração 60+ quer espaço. Poder sentar sozinha em um bar ou ir em um show sem ser olhada de forma estranha
ROSELAINE DE AVILA PERES
Contadora Aposentada
– As pessoas estão mais saudáveis e conseguem manter as mesmas habilidades, inclusive em idades mais avançadas. Temos de criar novos espaços para os idosos. Não lugar para sentar ou vaga em estacionamento. Até agora, a sociedade foi muito paternalista. O que ajuda na longevidade é trabalhar e sentir-se útil, envelhecendo de forma ativa. Fazendo valer a sua experiência, transmitindo conhecimento e ajudando os mais jovens – diz Moriguchi, que conduz em Veranópolis o mais longo estudo sobre longevidade do país.
Adeus aos velhos símbolos
A pesquisa Tsunami60+, realizada pela consultoria de marketing especializada no consumidor maduro Hype60+ e pela plataforma de negócios de impacto Pipe Social, revelou inquietações dessa geração e traçou o seu novo perfil.
– O símbolo do passado era a velhinha de coque fazendo tricô e o senhor de bengala. Isso mudou. Das pessoas que ouvimos, 68% relataram uma surpresa positiva. Não imaginavam chegar tão bem na idade em que estavam. O espelho que eles tinham era os pais. Mas agora estão por aí andando de bicicleta, se divorciando, namorando, na praia – conta Layla Vallias, cofundadora da Hype60+.
— Depois que me aposentei, comecei a descobrir o mundo — conta Roselaine, que em agosto conheceu a Amazônia e já percorreu o Caminho de Santiago.
Roselaine quer mais. Mas não é necessariamente descobrir uma fonte da juventude. Ela exemplifica:
— A geração 60+ quer espaço. Poder sentar sozinha em um bar ou ir em um show sem ser olhada de forma estranha.
Sonhos pela frente
A empresária Vera Torres dos Santos, de Caçapava do Sul, é outra gaúcha que chega aos 60 anos na segunda-feira. Ela lembra que, quando era jovem, se imaginava com um aspecto mais envelhecido do que tem hoje. Sente-se jovial, cheia de energia, pronta para colocar em prática planos para alcançar novos sonhos.
– Nunca pensei que pudesse fazer 60 anos me sentindo tão viva, mais bonita, cheia de vontade de realizar coisas. Olhando para fotos antigas de pessoas da nossa família é que percebemos como são grandes as diferenças – conta Vera, que pretende continuar trabalhando, mas em um ritmo mais lento, deixando tempo disponível para viajar e conviver com a família e os amigos.
Vera tem dois filhos , mas cresceu com seis irmãos. Um retrato das transformações que o Brasil atravessou. Nos anos 1960, quando ela era criança, a taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher. Em 2019, apenas 1,77. O IBGE estima que, em 2060, cairá para 1,66, o que, junto com a maior longevidade, faz o Brasil caminhar a passos apressados para ter uma população mais velha.
A série Ideias para o Futuro 60+ tem apoio de Unimed Federação
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