Depoimento da psicóloga Juliana Antunes Souza, chefe do núcleo psicopedagógico de apoio ao discente da UFPel, sobre os distúrbios psicológicos que têm afetado cada vez mais os universitários.
"No núcleo, somos quatro psicólogas, um psiquiatra, uma pedagoga e uma enfermeira que também tem formação em Psicologia. Diariamente, atendemos alunos com problemas, como dificuldade de aprendizagem, mas geralmente as situações são vinculadas a questões emocionais.
Os alunos que chegam até nós geralmente são aqueles em vulnerabilidade social, beneficiários de algum tipo de auxílio: alimentação, transporte, moradia. São pessoas que, além das dificuldades emocionais, apresentam dificuldades sociais.
Muitas vezes, vieram para Pelotas com a ajuda de vaquinhas virtuais, fizeram uma rifa, juntaram daqui e dali, toda a família contribuiu, às vezes só com a passagem de vinda. Chegam aqui sem ter onde ficar, sem ter como se manter. Dependem dos auxílios do Plano Nacional de Assistência Estudantil, o que é muito delicado, porque qualquer outra necessidade eles precisam suprir de outra forma. Muitos têm de trabalhar em subempregos.
Estamos sempre testando modelos para melhor atender esses alunos. No início deste ano, abrimos inscrições para atendimento em saúde mental, com preenchimento de um formulário sobre as causas do sofrimento atual de quem está pedindo atendimento. Em quatro dias, tivemos 225 inscrições, e daí tiramos o link rapidamente, porque não daríamos conta de mais gente.
Dessa amostra de 225 estudantes, a maior causa de dificuldade foram as saudades e a preocupação com a família, porque a maioria dos jovens vem de outras cidades. Depois veio o diagnóstico prévio de transtorno mental, o risco de suicídio e as dificuldades acadêmicas, ou seja, a parte cognitiva, do estudo e da relação com a universidade.
Os dados mostram que essas pessoas estão chegando com bastante adoecimento. Trazem consigo fragilidades de toda ordem, que a saudade e a preocupação com a família incrementam. Chegando aqui, encontram um lugar diferente do seu ambiente, com uma cultura diferente, com um jeito de lidar com as pessoas diferente do que estavam acostumados, com um clima diferenciado. Pelotas é úmida, fria, chuvosa, tem aquela característica cinzenta, bucólica. Para pessoas que vêm lá do Norte, do Nordeste, ter de enfrentar os primeiros frios é coisa impactante. Tudo isso vai trazendo o que a gente entende como gatilho ambiental.
Nossa cidade foi erigida através do trabalho escravo, e temos uma população negra significativa. No entanto, é racista, e alunos se ressentem disso. O racismo aparece muito na UFPel, é uma queixa constante. Esta é uma cidade sentida por esses alunos de fora como xenófoba, ou seja, não recebe bem quem vem de outros lugares. Tudo isso interfere.
Não sabemos quantas pessoas apresentam de fato a doença depressão e quantas estão tristes e abatidas mas não estão necessariamente doentes de depressão. O que a gente sabe é que as pessoas se queixam muito de sintomas depressivos e de sintomas ansiosos. Desde 2014, 2015, quando comecei a trabalhar mais com os alunos, comecei a sentir um incremento crescente de casos, e com maior gravidade, porque antes eram situações mais leves.
Durante muitos anos, o acompanhamento psicológico individual foi o carro-chefe do nosso setor, só que nos últimos anos entendemos que não é possível investir só numa psicoterapia individual e pessoal. Internamente, estamos muito envolvidos, atendendo alunos, mas olhando para fora, para a realidade maior, a gente percebe que é uma ínfima contribuição, porque o universo lá fora de alunos que não conseguem acessar o nosso serviço é muito grande também. É uma minoria que chega a ser atendida.
Ultimamente, temos investido muito nos atendimentos em grupo, que é uma forma de trabalhar com mais pessoas e de alguma forma estimular que eles consigam no coletivo, no social. Porque o que acontece no caso de adoecimento psíquico é que as pessoas se isolam, e esse isolamento é perigoso. Também fazemos um trabalho de chamar a família, pedimos que venham buscar o jovem em sofrimento, porque ele não está em condições de se cuidar sozinho.
No caso do suicídio no curso de Jornalismo, recebemos a notícia pela unidade acadêmica. Foi chocante. Não era nossa bolsista, não estava em atendimento. Era uma pessoa muito querida, todo mundo gostava dela, todo mundo a conhecia, e nesses casos o impacto é maior.
Na maior parte dos casos, a gente sabe que o suicídio poderia ser evitado. É importante falar mais sobre suicídio, sobre a qualidade de vida que estamos tendo. Às vezes, ao falar, a pessoa com ideação suicida tira um pouco aquele pensamento recorrente que traz tanto sofrimento, alivia um pouco aquela carga, pode ganhar tempo e, quem sabe, ao se aliviar, não precisa passar ao ato.