Um quinteto de cirurgiões pediátricos de cinco Estados brasileiros reuniu esforços no último sábado (11), no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre, para operar um bebê de três meses com uma malformação congênita rara. Bernardo da Silva Lucindo, de Rio Grande, nasceu com extrofia de bexiga com epispádia, o que significa que o órgão estava para fora do corpo, e a parte superior de seu pênis, completamente aberta. A cirurgia, de grande porte, teve duração total de oito horas, com revezamento dos especialistas, além da presença de outros médicos, como observadores, no bloco cirúrgico.
Os cirurgiões, provenientes do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Rio de Janeiro, do Distrito Federal e de São Paulo, aproveitaram a existência do caso de Bernardo na Capital para realizar o 6º Encontro do Grupo Multi-Institucional para Tratamento da Extrofia de Bexiga pela Técnica de Kelly. A cirurgia foi custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e cada médico financiou as próprias passagens e a estadia, com o objetivo de, em grupo, aperfeiçoarem-se nesse procedimento específico. Apenas este ano, o time já operou junto seis vezes, em diferentes pontos do Brasil (em Porto Alegre, estima-se a ocorrência de um a três casos por ano de extrofia de bexiga com epispádia).
— Temos feito assim porque é uma técnica bem agressiva e demorada. Achamos mais seguro, para o paciente, fazer em várias mãos — comenta o cirurgião pediátrico Eduardo Corrêa Costa, representante do Rio Grande do Sul.
É uma técnica bem agressiva e demorada. Achamos mais seguro, para o paciente, fazer em várias mãos.
EDUARDO CORRÊA COSTA
Cirurgião pediátrico
A extensão do problema de Bernardo foi constatada no nascimento. Durante o acompanhamento pré-natal, a mãe do menino, a manicure e pedicure Franciele da Silva, 32 anos, ficou sabendo que havia um problema de desenvolvimento no pênis do feto, mas até então não se sabia a gravidade e a extensão do quadro. Ela foi informada sobre o estado da criança 15 minutos após o parto. Mesmo assim, Bernardo pôde ter alta e passar o primeiro trimestre de vida em casa. Um plástico envolvia a mucosa da bexiga e o pênis, para que essas regiões não fossem machucadas. Como a bexiga estava aberta, havia a liberação permanente de urina através dos ureteres (ductos que conduzem o líquido dos rins para a bexiga), o que exigia uma troca de fraldas muito frequente. Os pais higienizavam cuidadosamente o local.
Iniciada às 8h30min, a operação começou por uma incisão para soltar a bexiga da parede abdominal. Depois, com outro corte, o pênis foi descolado do púbis. Seguiu-se a correção do refluxo vésico-ureteral, realizada nos ureteres, dentro da bexiga — caso não se corrigisse isso, a urina poderia, depois de passar pelo rim e chegar à bexiga, voltar ao rim, impondo o risco de causar infecção urinária e insuficiência renal. Passou-se então à correção do colo vesical, que é a saída da bexiga para a uretra, para que a criança não ficasse incontinente (perdendo urina sem controle). A bexiga, depois, foi fechada com pontos. Houve a reconstrução do pênis e da uretra (outro detalhe da malformação de Bernardo, muito complexa, é que a uretra, em vez de estar na parte inferior do órgão genital, encontrava-se em cima). Por último, os médicos colocaram a bexiga para dentro do corpo do bebê e fecharam a parede abdominal. Não foi necessário qualquer enxerto de pele, e Bernardo recebeu uma transfusão de sangue, já prevista, no período pós-operatório.
Até agora, a recuperação do garoto é considerada satisfatória, dentro do esperado. Para que não se mova e possibilite uma cicatrização adequada, Bernardo será mantido sedado e intubado (com respirador artificial) por sete dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), antes de ser transferido para o quarto. Diversos cateteres e sondas serão retirados pouco a pouco.
É brabo vê-lo lá com aqueles aparelhos todos, é bem ruim, mas ficamos felizes de saber que as coisas estão evoluindo.
FRANCIELE DA SILVA
Mãe de Bernardo
Franciele, mãe também de uma menina de 10 anos, e o marido, o auxiliar de serviço gerais Robson dos Santos Lucindo Junior, 25, estão em Porto Alegre acompanhando o filho. A manicure relata como é difícil observar o caçula no leito hospitalar, mesmo que a intervenção tenha sido bem-sucedida.
— Os primeiros três meses foram mais fáceis do que agora. É brabo vê-lo lá com aqueles aparelhos todos, é bem ruim, mas ficamos felizes de saber que as coisas estão evoluindo — conta.
Conforme a evolução, o paciente terá liberação para voltar para casa. O prazo estimado para que urine normalmente pelo pênis é de cerca de um mês. De acordo com Costa, a recuperação é longa e exigirá que Bernardo se submeta a uma rotina de consultas e exames. Novas intervenções cirúrgicas não estão descartadas.
— Ele poderá ter uma vida o mais próximo possível do normal — prevê Costa.
A EQUIPE
Cirurgiões pediátricos responsáveis pelo procedimento realizado no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas:
- Antônio Carlos Amarante (Paraná)
- Eduardo Corrêa Costa (Rio Grande do Sul)
- Francisco Nicanor Araruama Macedo (Rio de Janeiro)
- Hélio Buson Filho (Distrito Federal)
- Jovelino Quintino de Souza Leão (São Paulo)