Por Cristiano André da Costa
Coordenador do Núcleo de Excelência em Inovação de Software (Softwarelab), professor do PPG em Computação Aplicada da Unisinos. Este artigo integra a seção Horizontes, publicada no caderno DOC. Trata-se de um espaço para discutir ideias e pesquisas, no mercado e nas universidades, que nos fazem vislumbrar um futuro cada vez mais próximo.
A tecnologia tem o potencial de transformar a área da saúde. A revolução dos smartphones, dos wearables (computadores vestíveis) e da inteligência artificial permite tornar a saúde mais proativa. O smartphone, hoje, já coleta informações como o números de passos dados ou a distância que percorremos durante o dia. Com a conexão de acessórios ao celular, é possível transformá-lo em um potente equipamento de diagnóstico, permitindo realizar uma ecografia, diagnosticar problemas cardíacos, observar o interior da orelha ou examinar lesões na pele.
Muitas vezes conectados aos smartphones, os wearables, como os smartwatches (relógios inteligentes) e smartbands (pulseiras inteligentes), também são capazes de coletar dados. Não só as atividades físicas, mas também a frequência cardíaca, a qualidade do sono e o nível de estresse. Conseguem inclusive realizar um eletrocardiograma (ECG), traçando a atividade elétrica do coração. Para além dos wearables de uso geral, há uma série de dispositivos que permitem monitorar condições de saúde específicas, como medir a temperatura corpórea, avisando, no celular, caso a pessoa tenha febre. Outra possibilidade é implantar um sensor de menos de 1 centímetro no braço, que durante três meses mede a glicose e gera avisos, permitindo um melhor controle para pessoas com diabetes.
Por meio da inteligência artificial, particularmente um conjunto de técnicas denominado machine learning ("aprendizado de máquina"), é possível processar os dados coletados, a sua correlação e a detecção de possíveis patologias. Por exemplo, através da análise do ECG realizado pelo smartwatch, um software em um smartphone pode indicar determinadas condições cardíacas, como a fibrilação atrial. O aprendizado de máquina pode permitir também o prognóstico de patologias e indicar a necessidade de buscar um atendimento de urgência.
As técnicas de machine learning, que são a base da computação moderna, focam não em dizer como um programa deve executar uma função, mas em apontar qual método será usado para processar os dados recebidos e gerar informação. Dentre as técnicas de aprendizado de máquina mais usadas hoje, destacam-se as redes neurais artificiais. Essas redes criam um modelo de neurônios artificias que estabelecem conexões, de maneira análoga ao que ocorre no cérebro, permitindo que um programa "aprenda" a partir da correlação dos dados que recebe. As redes neurais artificias estão sendo aplicadas na área da saúde com grande sucesso. Têm permitido, por exemplo, a indicação de tratamentos para o câncer, a detecção de surtos de doenças e a previsão do agravamento do estado de saúde de pacientes.
Imagine a combinação dessas tecnologias com nosso Registro Eletrônico de Saúde (RES). Já pensou ter todas as informações relacionadas a sua saúde em um repositório único, acessível via aplicativo? Com isso, a cada interação com um provedor de saúde você pode compartilhar seu RES, repassando ao médico o seu histórico de saúde, que, além de conter as suas interações prévias com médicos, hospitais e exames, indica os dados de seus wearables e smartphone. Estudos mostram que manter o RES unificado de uma pessoa reduz o custo para o sistema de saúde e permite maior correlação com doenças pré-existentes. E também permite ao governo traçar melhor as políticas públicas, podendo ainda servir como ferramenta para pesquisa e prevenção. Seria possível, por exemplo, correlacionar anonimamente dados de pacientes de determinada região, detectando possíveis surtos ou epidemias.
Essas tecnologias são o motor de uma grande transformação na medicina. O médico americano Eric Topol, em seu livro The Patient Will See You Now (Basic Books, 2016), afirma que vivemos hoje um “momento Gutemberg” na área de saúde. Assim como Gutemberg, que com a prensa móvel permitiu a difusão do conhecimento, os smartphones, os wearables e o machine learning têm o potencial de transformação semelhante na área da saúde. Transformação essa que tornará o paciente mais ativo no gerenciamento de sua saúde e o médico, mais empoderado de informações para tomar decisões.