Era uma noite rotineira na casa da administradora de empresas Lisiane Lopes Krieger de Souza, 36 anos, e do analista de sistemas Fernando Silva de Souza, 35, gaúchos radicados em São Paulo. O pai colocava as gêmeas Vanessa e Gabriela, quatro anos, para dormir, quando o filho mais velho, Henrique, oito anos, pediu à mãe:
– Quero ir dar boa-noite para as manas.
Lisiane assentiu. E então veio a surpresa.
– Me tira da cadeira que eu quero ir caminhando – solicitou o menino.
Com a ajuda da mãe, que o segurava pelas mãos, como um bebê que se arrisca nos primeiros passos, ele levantou e começou a andar. No quarto das irmãs, apoiou-se nas camas e deu um abraço apertado em cada uma delas. Parecia um milagre. Lisiane chorou.
– Ficamos sem palavras. Não achávamos que seria tão rápido – conta ela sobre o episódio ocorrido em fevereiro passado.
Henrique começava a reagir depois de um período progressivo de deterioração de seu estado físico. Os três irmãos, nascidos em São Jerônimo, sofrem da síndrome de depleção do DNA mitocondrial (SDM), condição rara provocada por alterações genéticas que restringem a produção de energia das células, enfraquecendo a musculatura do corpo e limitando os movimentos gradualmente.
A cena recém-descrita se desenrolou apenas duas semanas depois de as crianças tomarem a primeira dose da combinação de duas drogas experimentais, em estudo por uma equipe do New York-Presbyterian Hospital, ligado à Universidade de Colúmbia, em Nova York. Graças a uma mobilização popular que permitiu angariar recursos para custear a viagem aos Estados Unidos e o tratamento, os pequenos pacientes começaram a tomar três doses diárias do remédio que prometia a percepção de pequenas melhoras em três meses.
Batizada por Henrique de "remédio do poder", a mistura de deoxitimidina e deoxicitidina (os dois medicamentos são em pó, administrados após a dissolução em água) provoca uma certa cara feia no trio, que tem noção do impacto que os goles de gosto ruim podem provocar em suas vidas. Vocês vão ficar mais fortes, estimula o casal.
Até o início do tratamento, o primogênito era quem estava mais debilitado. Não conseguia mais andar, firmar o pescoço, erguer os braços e cumprir tarefas das mais básicas, como escovar os dentes. Estava totalmente dependente da cadeira de rodas e forçado a abandonar as brincadeiras com as peças de Lego e os robôs Transformers. Introspectivo, manifestava seu abatimento no olhar, sem palavras, ao observar os amigos ou as irmãs se movimentando.
– Ele ficava com o pensamento longe – recorda a administradora.
Em fevereiro, época da primeira dose, Gabriela caminhava, mas apresentava algum prejuízo na marcha, tentando se equilibrar na ponta dos pés e caindo bastante. Necessitiva de um certo apoio para se levantar. Vanessa tinha sintomas mais avançados: precisava de ajuda para subir degraus, e ainda assim a tarefa requeria muito esforço. Depois de poucos passos, começava a reclamar de cansaço, pedindo para ser carregada no colo.
Um mês depois do início da medicação, Henrique já havia recuperado a habilidade de fazer a higiene bucal, com alguém lhe segurando a cabeça. O andar era irregular – às vezes, o garoto caminhava, em outras situações, não conseguia nada. Em maio, um percalço o marcou profundamente. Numa brincadeira com a mãe, que montou um "circuito" com cadeiras para ele percorrer, Henrique caiu. Sentiu dores na coluna e no bumbum e perdeu a confiança. Hoje, ainda tem medo de andar e se movimenta com o auxílio de um andador, além de continuar utilizando a cadeira de rodas.
– Isso acontece, é normal. Tem que seguir tentando, ter confiança e segurança em arriscar – incentiva a mãe. – Tudo que a gente pratica, a gente melhora!
Nas sessões de fisioterapia na piscina, Henrique se solta e vai de um lado a outro sozinho, pisando no fundo. A mãe está sempre de olho na postura, cobrando correção _ se o guri está no sofá e começa a escorregar, ela ameaça deixá-lo sem videogame. Na hora, ele se endireita.
Em relação a Gabriela, Vanessa evoluiu um pouco mais devagar e ainda tem dificuldade em escadas quando não utiliza o corrimão. Se está brincando no chão, por vezes, precisa de apoio para se pôr de pé. Mas o mais importante é que, agora, faz o trajeto até a escola correndo e pulando, ao lado da irmã, sem cansar. Pequenas conquistas da dupla de loirinhas são um grande evento para a família: pular com um pé só, pular com os dois pés, girar o corpo sem cair, entrar no carro.
– Olha o que eu já tô conseguindo fazer! – uma e outra celebram, chamando a atenção dos pais.
Todo mês, Lisiane envia um relatório ao New York-Presbyterian Hospital sobre a situação dos filhos. Os pesquisadores afirmaram nunca terem observado uma reação inicial tão rápida entre os pacientes que testaram as drogas. Uma revisão presencial estava prevista para este mês, quando acabou o estoque de remédio trazido no início do ano (o custo da medicação é de R$ 20 mil mensais). Como a família gaúcha aguarda a liberação de um subsídio para custear as despesas com passagens aéreas e remédios, a avaliação médica foi feita em São Paulo, seguindo o protocolo dos americanos, para reduzir os gastos. Apenas Fernando viajou para os EUA, voltando com medicação suficiente para mais dois meses.
O montante arrecadado pela família no passado – quase R$ 250 mil – com vaquinha online, depósitos bancários, bingos e chás beneficentes acabou. Agora, estão sendo utilizadas reservas pessoais – a residência onde a família vivia no Rio Grande do Sul foi vendida, e a verba é investida no tratamento. Questionada se pretende lançar outra campanha para angariar fundos, Lisiane responde que ainda não é hora. O casal prefere se manter com o que tem enquanto for possível.
– Estamos em estado de gratidão. Sentimos uma alegria que não cabe no peito de ver essas pequenas melhoras – descreve a mãe. – Muitas pessoas nos apoiaram. Se nosso dinheiro chegar perto do fim, vamos pedir ajuda, sim. As crianças não podem ficar sem medicação. As pessoas nos disseram: "Se precisarem, gritem". E a gente vai gritar mesmo – garante.