Após a visita técnica de representantes do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) em julho a Santa Maria, o Ministério da Saúde elaborou relatório "que apresenta de forma consolidada as fragilidades identificadas no abastecimento de água do município". O saldo desta análise detalhada se dá passados quase oito meses do surgimento dos primeiros casos de toxoplasmose no município.
GaúchaZH teve acesso ao relatório por meio do Ministério Público Federal (MPF), que acompanha o caso por inquérito desde que veio à tona, já que a prefeitura de Santa Maria e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) negaram o acesso da reportagem ao documento na íntegra. Ao longo de 26 páginas, o Ministério da Saúde detalha a captação de água do município e determina recomendações à Vigilância Municipal de Saúde e também à Corsan "a fim de trazer maior segurança para a qualidade da água distribuída à população."
Entre as mudanças propostas, está a análise de forma individualizada de cada barragem que abastece a cidade de Santa Maria, com monitoramento dos protozoários Giardia, Cryptosporidium e Toxoplasma gondii pelo período de um ano. No caso da barragem do DNOS e da água de recirculação da retrolavagem dos filtros na Estação de Tratamento de Água (ETA), a análise deve ser feita a cada 15 dias. Já na barragem Saturnino de Brito, o monitoramento precisa ser realizado mensalmente.
O teste que detecta ou não a presença do protozoário causador da toxoplasmose não era, até então, responsabilidade da companhia de saneamento. Contudo, como detalha o documento "diante do cenário de emergência de saúde pública representado pelo surto de toxoplasmose ocorrido no município" foi recomendada a análise também do Toxoplasma gondii durante o período solicitado. Para realização desse exame, a partir de outubro, o superintendente regional da Corsan, José Epstein, afirma que a estatal fez um convênio com a Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná:
— A análise de Giárdia e Cryptosporidium, a Corsan já realizava porque está previsto dentro das portarias que regulamentam a atividade. O que não se fazia era a análise do Toxoplasma gondii porque nenhuma empresa de saneamento do país fazia, já que não era exigido nem tinha laboratórios para absorver essa demanda. Agora, montamos um calendário de monitoramento junto ao laboratório da Universidade Estadual de Londrina que fará essa análise para nós. Eles nos passarão um procedimento operacional padrão. Ou seja, de como e onde fazer as coletas e, depois, nós encaminharemos para análise.
Poder público terá de fazer mais
O Ministério da Saúde também propôs mudanças no trabalho que compete à Vigilância Municipal de Saúde. A União determina que é necessário que a equipe de fiscalização conte com "um quadro funcional mais robusto, uma vez que o porte do município não condiz com a estrutura atual, que até o momento da visita técnica era de apenas um técnico".
Além disso, é sugerido que a equipe passe por "processos de capacitação, para que se tornem capazes de realizar o monitoramento da qualidade da água (...) e a avaliação constante dos dados do monitoramento realizado pela Corsan", traz o documento.
Também é recomendada a ampliação dos pontos de coleta e fiscalização por parte dos representantes do Vigiagua no município. No relatório, consta que a escolha dos pontos a serem amostrados "deve levar em consideração a identificação de situações de risco, representadas por locais de grande circulação ou em instituições que abriguem populações vulneráveis (hospitais, rodoviária, creches, escolas, entre outras), áreas com maior densidade populacional e zonas de vulnerabilidade da rede de distribuição".
De acordo com o superintendente da Vigilância em Santa Maria, Alexandre Streb, as solicitações já estão sendo atendidas pela prefeitura que contratou mais um técnico para realização das vistorias:
— Agora, os nossos técnicos estão ampliando os pontos de coleta. Tínhamos, antes, cerca de 80 pontos e ampliamos isso para mais de 160, até que tenhamos uma abrangência significativa para essa análise. Passamos também a captar água próximo às unidades de saúde, levando em consideração as fragilidades apontadas. Já conseguimos um mapeamento de locais onde são feitas manutenções das obras da Corsan e, a partir disso, estamos criando critérios para que nossas amostras sejam mais eficientes. O que se tem é uma situação extraordinária, que exige que a gente cumpra mais do que a legislação prevê.
O documento determina ainda o fortalecimento da comunicação entre Corsan e prefeitura, para que não haja riscos com relação à qualidade da água oferecida para a população. É determinada maior fiscalização - por parte da prefeitura - das ações desenvolvidas pela Corsan e também o aviso prévio das atividades e das responsabilidades a serem cumpridas pela companhia.
As barragens
A captação de água de Santa Maria é realizada por meio de dois sistemas: o complexo de barragens Ibicuí-Mirim, composto pelas barragens Rodolfo Costa e Silva e Saturnino de Brito, e a barragem do DNOS. No documento, o Ministério da Saúde aponta questões a serem observadas nesses pontos, já que eles apresentam características distintas.
O complexo de barragens do Ibicuí-Mirim está localizado em área rural e conta com o entorno parcialmente preservado, conforme consta no relatório. Uma das barragens desse sistema, a Rodolfo Costa e Silva, está próxima de propriedades rurais, o que "remete a uma maior preocupação quanto ao uso de agrotóxicos e a sua presença na água".
Já a barragem Saturnino de Brito encontra-se dentro da reserva biológica do Ibicuí-Mirim, mantida pela própria Corsan. O relatório detalha que a barragem "se encontra em ótimo estado de conservação e, apesar da existência de propriedades agrícolas nas suas proximidades, a larga extensão de floresta preservada dificulta a contaminação desse manancial".
A barragem do DNOS, que fica na área urbana de Santa Maria, é a que, conforme o documento, exige maior fiscalização, já que é "um manancial estritamente urbano que convive em suas margens com produção agrícola, moradias regulares e irregulares, ambas sem sistema de coleta de esgoto sanitário e, portanto, com lançamento direto no corpo hídrico".
Sobre essa peculiaridade da barragem do DNOS, o superintende regional da Corsan explica que a companhia trabalha na tentativa de conter e melhorar as questões das ocupações irregulares do entorno do DNOS. Além disso, ele afirma que a estatal faz o acompanhamento devido da água bruta do manancial.
— Temos um projeto de desativar a barragem do DNOS e transformá-la em uma reserva técnica. Já executamos cerca de 60% desse projeto que prevê a adução da água bruta da barragem Saturnino de Brito. Teremos, a médio prazo, condições de trazer toda água necessária para Santa Maria da barragem Saturnino de Brito que, em termos de proteção ambiental, é mais protegida.
Levando em consideração esses dados, as regiões onde estão localizados os mananciais e também as características distintas entre eles, o Ministério da Saúde recomenda, além da análise individual de cada barragem a elaboração de um Plano de Segurança da Água (PSA), para avaliação e gerenciamento dos riscos existentes no sistema de abastecimento de água.
O relatório aponta que a Corsan contratou uma empresa no início deste ano para implementação do plano em todos os municípios em que atua e que a previsão era de que o estudo em Santa Maria fosse concluído em fevereiro de 2020. O documento ainda aponta que a companhia já solicitou a antecipação para 2019 em Santa Maria. Contudo, o Ministério da Saúde reforça a necessidade de antecipação do prazo inicialmente previsto.