A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) discute a regulamentação da coparticipação e da cobrança de franquia em contratos de planos de saúde, mecanismos em que os consumidores também pagam por consultas e demais procedimentos de assistência à saúde, além das mensalidades. O tema é controverso. Para a ANS, essas cobranças melhorarão a utilização dos planos. Já entidades de defesa dos consumidores apontam que as modalidades poderão levar a abusividade nas contratações.
De acordo com a agência, 49% dos contratos de saúde suplementar em vigor no Brasil hoje já têm previsão de coparticipação, enquanto apenas 1% trabalha com a modalidade de franquia. Tais mecanismos, contudo, não estão regulamentados. Agora, a ANS discute portaria que regulamenta esses chamados instrumentos de regulação de uso, o que pode levar à maior adoção da cobrança de franquia em contratos de planos de saúde. A expectativa é que as regras sejam apresentadas até o início do próximo semestre, com data de vigência prevista para o início do ano que vem.
Os dois tipos de contratos são diferentes entre si. Na modalidade da coparticipação, o usuário paga uma taxa fixa ou percentual a cada vez que utilizar o plano. Na franquia, a ANS discute as regras de duas modalidades: a comum e a acumulada. Na primeira, a cada vez que o beneficiário fizer um procedimento, deverá ser observado se o valor ultrapassa ou não o estabelecido como franquia. Por exemplo, determinado contrato pode estabelecer que a operadora só pagará exames ou consultas com valor superior a R$ 100. Assim, o que for mais barato que isso ficará a cargo do usuário. Na acumulada, é fixado um valor mínimo a partir do qual a operadora passa a arcar com os custos. Se um contrato possuir uma franquia de R$ 3 mil, só após o acúmulo desse valor com um ou diversos procedimentos é que a empresa passará a pagar.
Segundo o diretor de Desenvolvimento Setorial da agência reguladora, Rodrigo Aguiar, "esses dois mecanismos existem para que tenhamos um uso mais moderado do plano de saúde, para que a gente evite desperdício, repetição". Questionado sobre possível ampliação do número de contratos com franquia e os impactos disso, ele disse que isso deve ocorrer porque tal modalidade poderá garantir redução de 20% a 30% no valor das mensalidades.
— O objetivo é ampliar os acessos aos serviços de saúde. A partir do momento que esses mecanismos reduzem o valor das mensalidades, os planos passam a caber no bolso da população — argumenta.
Defesa do consumidor
Opinião contrária é expressa pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Pesquisadora em saúde da instituição, Ana Carolina Navarrete afirma que a cobertura poderá ficar mais restrita. Ao analisar a adoção desses modelos em outros países, como nos Estados Unidos, o que se verifica não é uma melhora no uso. — As pessoas não passam a usar melhor, elas usam menos e pronto. E isso tem um impacto na prevenção. Elas só vão procurar um serviço quando elas não puderem mais, já que terão que pagar por eles — alerta.
Além de impactar negativamente na prevenção, a especialista avalia que os instrumentos de regulação de uso poderão levar à abusividade nas contratações do plano de saúde. Isso poderá ocorrer, por exemplo, no caso de uma operadora cobrar tanto a franquia quanto a coparticipação. — Nosso entendimento é que isso gera uma vantagem exagerada para a operadora de plano de saúde, violando o Código de Defesa do Consumidor — detalha.
Ana Carolina Navarrete também considera que esses instrumentos podem retirar a previsibilidade do valor que o usuário deverá pagar pela assistência privada à saúde. Já o diretor da ANS advoga que a agência estuda medidas para evitar situações desse tipo, como a fixação de um limite mensal e anual de valor que poderia ser pago pelos beneficiários.
No caso do limite mensal, a portaria deve prever que o consumidor não poderá ser onerado em um valor maior que o dobro do da mensalidade que ele paga. No anual, a cobrança total pelos serviços utilizados não poderá exceder a soma de 12 vezes a mensalidade.
Limite de pagamento
Outro mecanismo que a ANS deve regulamentar é o limite de pagamento no caso de procedimentos muito caros. Por exemplo, caso uma pessoa descubra que está com câncer e tenha que fazer um tratamento no valor de R$ 10 mil e tenha um contrato de plano de saúde que fixe que sua participação total seja de, no máximo, R$ 3 mil, ela poderá pagar o valor em parcelas.
— Com isso, a gente evita que o beneficiário tenha uma surpresa indesejada e confere maior previsibilidade — diz Rodrigo Aguiar. Navarrete, por sua vez, antecipa que o Idec acompanha a regulamentação e que, "caso a normativa vier de maneira que viole a lei sobre direitos dos consumidores ou a Constituição Federal, a gente estuda a possibilidade de judicializar".