O epidemiologista Cesar Victora, 65 anos, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), recebe nesta quinta-feira (5) a medalha Sylvio Torres do Prêmio Pesquisador Gaúcho. Por telefone, ele conversou com a reportagem sobre o reconhecimento. Confira:
O que significa receber a medalha Sylvio Torres?
Fiquei muito feliz, porque é o prêmio máximo que a Fapergs oferece a pesquisadores, então foi o reconhecimento de um trabalho de 40 anos que eu tenho na área de saúde das crianças, particularmente na área da amamentação, na área da importância dos primeiros mil dias para a vida inteira de um indivíduo, em termos de saúde, em termos de inteligência, de produtividade. Nosso grupo aqui da Ufpel tem recebido muito reconhecimento por estudos com 30 anos de duração. Começamos com crianças que nasceram em 1982 e continuamos acompanhando essas milhares de pessoas até hoje. Conseguimos com essas pesquisas mostrar os benefícios da alimentação adequada, da amamentação lá no começo da vida sobre toda a trajetória de vida dessas pessoas.
Esse é um trabalho de relevância internacional, na medida em que baseou recomendações da Organização Mundial de Saúde?
Exatamente. Isso nos deixa muito contentes. É um trabalho realizado no interior do Rio Grande do Sul que conseguiu influenciar políticas globais. Hoje em dia, você vai a qualquer lugar do mundo, aos Estados Unidos, à Inglaterra, à Suécia, à África, à Ásia, e a recomendação do aleitamento materno é baseada em pesquisas que foram pioneiras aqui em Pelotas. Outra coisa importante é que trabalhamos junto com grupos de seis outros países para criar curvas de crescimento infantil, baseadas em crianças que recebem o leite materno, que foram adotadas pela OMS e são usadas em 150 países.
O que são essas curvas?
É o gráfico de crescimento, o padrão de normalidade de desenvolvimento da criança. Quando se leva uma criança ao pediatra, ele vê se a altura e o peso estão correspondendo ao esperado. A grande novidade dessas curvas de crescimento, lançadas em 2006, é que são baseadas em crianças amamentadas. Porque crianças amamentadas crescem de maneira diferente, são menos gordas, por exemplo, do que a criança que recebe leite em pó. Então essas curvas foram referendadas pela OMS e hoje são usadas em 150 países.
As pessoas em geral despertaram para a importância do aleitamento materno?
Ainda não amamentamos tanto quanto devíamos. Mas o Brasil melhorou muito. Quando comecei a trabalhar, nos anos 1970, a duração média da amamentação no Brasil era de dois meses e meio. Hoje é mais de um ano. É mais saúde para as crianças e suas mães
Neste mês, o senhor vai receber, no Canadá, o Prêmio Gairdner, uma das mais importantes distinções internacionais na área da saúde. Ao mesmo tempo, está recebendo uma premiação estadual. É um gosto diferente?
É diferente, porque santo de casa não faz milagre, não é? Então a pessoa receber o reconhecimento no seu próprio local é muito bom. No meu caso, fui mais reconhecido no Exterior do que aqui dentro, por muitos anos. E agora fico muito feliz, porque a Fapergs foi parceira nesse processo, financiou pesquisas minhas. Não sou o único premiado, há vários outros que vão receber o prêmio Pesquisador Gaúcho. Isso é importante, porque a ciência brasileira está num momento crítico em razão dos cortes orçamentários. O financiamento está zero, e todos os jovens pesquisadores estão indo embora. No ano passado, perdi três doutores do meu laboratório. Eram os melhores alunos que nós tínhamos, e perdemos porque a Inglaterra ofereceu uma contratação, enquanto aqui está tudo trancado.
Eles foram embora por frustração com as condições no Brasil?
Sim, frustrados com a falta de recursos. É o que está acontecendo com todo mundo. O meu próprio filho é pesquisador em Nova York. Aqui está difícil, os laboratórios estão desfalcados, sucateados. Estão sendo desmanchados pela falta de verbas.
O senhor já viveu algum momento tão ruim como este?
Não. Isso aí é dos últimos dois anos. O governo Dilma ainda investiu muito em pesquisa. O governo Lula investiu, o governo Fernando Henrique. Não estou sendo partidário, de maneira alguma, mas foram governos em que estava num crescendo. O governo Temer é que cortou, com todas essas políticas de contingenciamento. Há um sucateamento da ciência brasileira. E não existe país forte sem ciência forte.
Qual foi o impacto da perda dos três pesquisadores no seu laboratório?
Teve um impacto negativo importante. É claro que posso formar outras pessoas, mas aí estou gastando mais do meu tempo, tempo em que poderia estar fazendo outra coisa. É sério o que está acontecendo. As pessoas têm ensino superior público gratuito, elas fazem mestrado e doutorado sem pagar e recebendo bolsa, e todo esse investimento para formar é desperdiçado quando vão embora. E elas não vão embora porque querem. Elas têm de ir, porque não encontram condições de fazer pesquisa aqui.