A Polícia Civil concluiu nesta semana o inquérito referente ao incêndio na Pousada Garoa, em Porto Alegre, que causou a morte de 11 pessoas e deixou outras 14 feridas, na madrugada de 26 de abril. Três pessoas foram indiciadas por incêndio culposo, com agravante morte.
Em razão da Lei de Abuso de Autoridade, a polícia não divulgou os nomes dos indiciados, mas a reportagem de Zero Hora apurou que os três indiciados são André Kologeski da Silva, dono da pousada Garoa, Cristiano Atelier Roratto, presidente da Fundação de Assistencia Social e Cidadania (Fasc) e a fiscal de serviço da Fasc, Patrícia Mônaco Schüler.
Conforme o delegado responsável pela investigação, Daniel Ordahi, da 17ª delegacia de polícia da Capital, a série de irregularidades na pousada, que tornavam o espaço extremamente precário, contribuiu para os indiciamentos, principalmente do dono da pousada.
— O indiciamento do André Kologeski da Silva se deu pela negligência dele na pousada. Ele hospedava várias pessoas, no dia do incêndio eram 32 leitos ocupados em condições precárias. E não é questão de simplicidade, eram precárias mesmo, isso não é um juízo de valor meu. É uma verdade incontestável — afirma o delegado.
A respeito do presidente da Fasc e a fiscal de serviços, também indiciados, o delegado afirma que eles tinham papel de fiscalização sobre o contrato com a rede Garoa.
— Nós vimos e ouvimos todo o organograma da Fasc no inquérito. Indiciamos quem estava diretamente envolvido. No caso, a fiscal e quem assinou o contrato – disse o delegado.
Mais de sete meses após a tragédia, ele atribui o atraso na conclusão das investigações ao impacto da enchente de maio na região e a necessidade de ouvir mais pessoas no decorrer do inquérito.
Na reta final das investigações, a equipe realizou a revisão do laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), para esclarecer se a hipótese de incêndio criminoso, o que foi descartado.
Conforme o delegado, a hipótese foi descartada após o avanço nas investigações e uso de imagens do entorno da sede da pousada.
— Retomamos o inquérito a partir de junho. Desde o começo, havia a suspeita sobre um indivíduo de camiseta amarela, o que não se confirmou. Olhamos todas as câmeras e nenhum indivíduo assim entrou na pousada para colocar fogo – explicou.
A origem do fogo não foi identificada, conforme Ordahi, mas o local onde o incêndio teve início foi descoberto pela perícia.
— Foi entre o quarto 31 e o 32, próximo à escada caracol metálica. A estrutura do prédio foi totalmente colapsada, o que impediu a descoberta da origem das chamas. O prédio não tinha Plano de Prevenção Contra Incêndio — afirma.
Segundo o delegado, o contrato entre Fasc e Garoa não poderia exigir PPCI pela Lei De Licitações e a Lei de Liberdade Econômica.
— Não tinha como a Fasc exigir o PPCI na celebração do contrato. Agora, durante a execução do serviço, em que havia fiscalização periodicamente nas pousadas e o fiscalizador se deparava com condições inadequadas. Quem fosse fiscalizar viu os problemas e deveria reportar, mas isso não aconteceu.
O prédio era adaptado, segundo o delegado. As salas eram divididas em quatro partes e puxavam luz por meio de “gatos externos”, o que o laudo confirmou, conforme o delegado.
Segundo Ordahi, mais de 50 pessoas foram ouvidas, incluindo os responsáveis pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Entre elas, não está o ex-secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voight. Segundo Ordahi, o depoimento dele não foi tomado pelo fato de a Fasc responder como Pessoa Jurídica (PJ).
— A Fasc tem CNPJ próprio e o presidente dela assina os contratos. Inicialmente, eu cogitei ouvir o ex-secretário, só que a Secretaria não tem ascendência direta sobre a Fasc, porque ela fiscaliza as atividades dela, que são basicamente cuidar dos equipamentos públicos de Porto Alegre, como Crea, o Cras, albergues, abrigos, todos esses equipamentos públicos. A Fasc não está dentro do organograma da Secretaria de Desenvolvimento Social – disse.
O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP), segundo Ordahi. O MP foi procurado e não confirmou o recebimento do inquérito até o momento. Quando receber o relatório, o órgão tem até 15 dias para analisar o caso.
Se o Ministério Público estiver de acordo com as conclusões da polícia e a Justiça condenar os investigados, a pena pode chegar a pelo menos quatro anos de prisão dos indiciados.
Durante o andamento das investigações, a prefeitura de Porto Alegre divulgou um relatório de visitas referente ao restante das pousadas da rede. Conforme o executivo municipal, foram identificados problemas estruturais e elétricos na maioria das unidades da Garoa, incluindo ambientes sujos e com a presença de insetos.
Contraponto
A Fasc informou que só irá se manifestar quando for informada sobre o inquérito. A reportagem tenta contato com o outro indiciado e a respectiva defesa. O espaço está aberto para manifestações.
O advogado Lino Ambrósio Broes, que representa o dono da Pousada Garoa, André Kologeski da Silva, sustentou o argumento de que foram apresentadas provas de que uma pessoa estranha entrou na pousada antes do incêndio.
A ação, apresentada durante a investigação pela defesa, daria indício de que o fogo foi causado de forma criminosa. Entretanto, o inquérito descartou a hipótese devido a ausência de provas.
A defesa alega que ainda não recebeu o inquérito e que o aguarda até terça-feira (10).
— Nós entendemos que o desenvolvimento do trabalho feito pela polícia era encontrar a busca da verdade. Nossas provas, nossos elementos de prova, nós apresentaremos na esfera judicial, em caso que haja necessidade, porque eu não sei qual vai ser o posicionamento do Ministério Público a respeito do assunto — disse o advogado.
Zero Hora também procurou o advogado Fábio Luiz Corrêa dos Santos, defensor do presidente da Fasc no inquérito, que defendeu a prática de um incêndio criminoso, onde alegou ter provas de que uma pessoa estranha entrou na pousada. Confira a posição.
Como advogado, após análise detalhada do inquérito, verifico que a investigação não aprofundou devidamente os fortes indícios de ato criminoso. Destacam-se, em especial, o depoimento do porteiro da Pousada, primeiro a ser ouvido, e os testemunhos dos frentistas que relataram conversas com o suspeito, nas quais este teria afirmado sua intenção de atear fogo na Pousada. Esses elementos constam nos autos, mas não receberam o devido foco investigativo, comprometendo a elucidação completa dos fatos. O meu entendimento, nesta primeira abordagem técnica, aponta para uma linha investigativa que foi prematuramente descartada. No entanto, a boa técnica de investigação exige que todas as possibilidades sejam devidamente exploradas e aprofundadas, especialmente quando há indícios de um possível ato criminoso. Negligenciar essa análise compromete a eficácia e a imparcialidade do processo investigativo, deixando lacunas que podem prejudicar a busca pela verdade.
Relembre o caso
Uma unidade da Pousada Garoa na Avenida Farrapos foi atingida por um incêndio na madrugada de 26 de abril. O prédio fica entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi, a poucos metros da estação rodoviária. O fogo começou por volta das 2h30min e se espalhou rapidamente pelos quartos da pousada.
Os bombeiros encontraram 10 vítimas. No dia 6 de maio, um homem que fora ferido no incêndio e estava hospitalizado faleceu, ampliando o total de mortos para 11.
A rede de pousadas Garoa era conveniada pela prefeitura para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade.