Moradores da zona norte de Porto Alegre relatam o sentimento de medo diante da previsão de chuva para o final de semana. Entre as preocupações, estão o acúmulo de lixo e o funcionamento dos diques, bueiros e bombas, principalmente no entorno dos bairros Sarandi, Humaitá e Farrapos.
Em entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira (13), o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, disse acreditar que não será necessária a evacuação dos bairros que podem ser afetados pela chuva prevista para o próximo fim de semana.
Apesar de a prefeitura reconhecer que existem pontos de atenção no Sarandi e na Vila Farrapos e declarar que as equipes do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) estão reforçadas nesses locais, a realidade não se altera para diversos moradores. Camila Suiane Santos de Souza, de 30 anos, mora na Rua Nevani Barbara Coelho, na Vila Asa Branca. A casa dela está praticamente inacessível, já que a rua está completamente tomada pelo lixo.
— Agora a água baixou, a gente achou que ia conseguir chegar até em casa e limpar. Aí a gente tava muito feliz. A gente pensou: "vamos pra casa, graças a Deus, baixou a água". Quando a gente chega, a gente se depara com a casa praticamente no chão. Agora a gente conseguiu tirar todo o lixo e não conseguimos passar na rua. A rua está bloqueada. Então, mesmo que a gente consiga arrumar nossa casa, a gente não consegue morar.
Camila e os dois filhos estão há cerca de um mês na casa de amigos, em Alvorada, na Região Metropolitana. A expectativa era retornar para casa no próximo domingo (16), mas a previsão de chuva deve adiar a volta.
— A gente tá com muito medo. Porque é tanto lixo, tanto lixo. Se chover, já era. Vai alagar tudo. Os esgotos já não existem mais. Tá tudo acumulado de lixo. A gente vai fazer o quê? A gente vai perder tudo que a gente tem.
Natasha Santiago, 26, é dona de uma loja de moda feminina na Rua João Moraes, também na região. A água chegou quase até o teto da loja, mas ela conseguiu salvar as roupas, colocando-as no segundo andar.
— A gente ficou um mês sem nada. E como eu não podia nem acessar as roupas, não tinha nem como vender online. Então a prioridade era limpar a loja o quanto antes, tocamos direto todos os dias para tentar abrir o mais rápido possível.
Moradora de um condomínio da Gabriel Franco da Luz, rua que está tomada por resíduos, Natasha também relata a insegurança com a instabilidade.
— A gente fica muito tenso. É uma preocupação, a gente fica acompanhando as notícias pra ver se vai chover muito, se não vai. Mas o medo é gigantesco, porque realmente a previsão é de muita chuva. A gente sabe que nossos diques aqui perto, aqui no Sarandi, só foram remendados praticamente, não foram consertados devidamente. Antes de toda essa enchente os bueiros já não eram bons. E agora ainda tem muito lixo, são casas inteiras
De acordo com o DMLU, nesta quinta-feira (13) as equipes estavam limpando as ruas de 14 pontos da cidade. A lista de regiões divulgada incluía a Vila Elizabeth e a Rua 25 de Outubro, onde a reportagem passou no início da noite e constatou ainda grande quantidade de lixo.
Os servidores seguem atuando também, conforme a prefeitura, no bairro Humaitá. Zuleica Terezinha Carvalho, 55, trabalha em um bar próximo à Arena do Grêmio. A reportagem de GZH esteve no local nesta quinta, dia de jogo do Tricolor. O clima no entorno do estádio, entretanto, segue longe da normalidade.
— Eu já estaria esperando meus clientes aqui, com pastel quentinho, cerveja bem gelada, para fazer a festa, né? Mas agora, com essa situação, a gente nem sabe mais como é que vai ficar, nem sabe quando vai ter jogo. A gente tava vindo todos os dias aqui pra limpeza, mas já vamos deixar algumas coisas no alto agora. A gente tá meio com medo. Estamos pintando tudo aqui.
O bar fica na esquina da Avenida Padre Leopoldo Brentano com a Rua Monsenhor Zeno Marques, na Vila Farrapos. Zuleica também é moradora da região e vai adiar o retorno para casa em decorrência da chuva.
A Praça Marcos Machado, na Rua Monsenhor Zeno Marques, virou um depósito de lixo. Vivendo na comunidade há 56 anos, Lurimar Almeida Fiuza, 78, considera que encarar as montanhas de entulhos na praça todos os dias é, além de perigoso para a saúde, uma tortura.
— Está tudo muito contaminado. Pelo tempo que teve a água na nossa região. Eu não vi a Saúde passar aqui, a Vigilância Sanitária, a Defesa Civil. As pessoas ficaram sem nada. Então, aqui está o trabalho delas, a luta delas para adquirir. A maioria aqui é baixa renda. Aí, sentam na frente da casa, olhando o que era seu. Imagina saber que ali está tudo e que não tem nada nas suas casas. Essas pessoas, o estado mental delas, isso já está na última de nervos, de sentimentos.
"Não consigo mais dormir direito"
Também moradora da Monsenhor Zeno Marques, Terezinha Cesar perdeu praticamente tudo que estava no primeiro andar.
— Não consigo mais dormir direito. Chega 3h, eu acordo. Meus vizinhos não voltaram mais para casa. Se começar a chover muito, vou querer sair o quanto antes — relatou.
Questionados sobre a presença de agentes da prefeitura orientando sobre a previsão de chuva ou sobre a retirada do lixo, moradores dos pontos em que a reportagem esteve relataram que não foram procurados por nenhum representante do poder público.
Conforme o DMLU, 60 mil toneladas de resíduos foram retiradas das ruas da Capital até o momento. Com a previsão de chuva para o final de semana, o departamento afirmou que irá concentrar cerca de 600 garis e 200 equipamentos nas áreas mais suscetíveis a acúmulo de água, considerando os bairros Sarandi, Farrapos, Humaitá, Ilhas, Navegantes e Anchieta.