A madrugada do dia 12 de fevereiro de 2002 marcou um dos mais tristes episódios da história do Carnaval porto-alegrense. Sem espaço para a passagem das alegorias, carnavalescos da Imperadores do Samba quebraram o meio-fio da Avenida Loureiro da Silva para remover um carro abre-alas estragado. O objetivo era entrar na Avenida Augusto de Carvalho, via que abrigava estruturas improvisadas a cada ano para os desfiles das escolas de samba da Capital.
A Imperadores entrou na avenida cinco horas depois do previsto, levando as agremiações seguintes a passar diante de arquibancadas vazias e com sol a pino. A manchete dada por Zero Hora é taxativa: "O Carnaval de Porto Alegre fracassa".
– A pista é totalmente improvisada. O poder público sequer tira um canteiro central para permitir a passagem dos carros. Nos apresentam essa avenida, e a gente é que é desorganizado? Se tivessem cumprido a promessa de fazer uma pista de eventos, nada disso teria acontecido – disse, na época, Roberto Barros (o Betinho), presidente da Imperadores do Samba.
Então secretária de Cultura, Margarete Moraes representava a prefeitura da Capital na crise de 2002. Ela não observa aquele fato como definitivo para a construção de uma pista de eventos, pois já era um projeto da prefeitura – que havia causado problemas com a comunidade local.
– Todas as linguagens artísticas tinham um lugar para fazer suas apresentações, menos o Carnaval. Carnavalescos e acadêmicos haviam definido, no governo Tarso Genro (1993-1996) que o melhor lugar era a Avenida Augusto de Carvalho (onde já aconteciam os desfiles), mas essa ideia não vingou porque os prédios do Judiciário seriam erguidos ali. Depois, no governo Raul Pont (1997-2000), surgiu a ideia de fazer próximo ao Parque Marinha do Brasil. Fizemos todos os procedimentos legais, mas a Associação de Moradores do Menino Deus não aceitou. Entraram na Justiça e venceram. Então, surgiu a ideia de fazer onde a comunidade aceitasse, e as opções foram a Restinga e o Porto Seco, onde o Conselho do Plano Diretor indicou que seria melhor – declara Margarete.
A reportagem de José Luís Costa e Letícia Duarte sobre a inauguração da pista do Porto Seco para o Carnaval, em 2004, mostrava carnavalescos repletos de otimismo. Falava-se que o Carnaval de Porto Alegre entraria em outro patamar, em arquibancadas definitivas para 30 mil espectadores e na promessa de que outros eventos, como o Desfile Farroupilha e as paradas militares, também fossem realizadas no local.
Nada disso aconteceu. Vinte anos depois, o Carnaval de Porto Alegre luta contra a falta de recursos e as estruturas improvisadas, enquanto os demais desfiles da Capital seguem em áreas centrais, assim como os blocos, que tomaram conta da cena nos últimos anos. Segundo o intérprete da Imperadores do Samba, Sandro Ferraz, isso ensina a comunidade carnavalesca a ser mais cética com as promessas.
– Fomos ao Porto Seco acreditando que lá teríamos um equipamento de verdade, que o poder público nos daria a condição para mostrar a arte em um palco definitivo. Isso não aconteceu e, pelo que vejo, não acontecerá. Só quem foi para lá foi o Carnaval: os outros eventos não saíram do Centro e ali continuam até o dia de hoje. Enquanto não tivermos infraestrutura e condições de explorar o espaço o ano todo, com certeza não teremos condição de um carnaval digno.
Margarete Moraes observa que a solução passa pelo diálogo entre governos e entidades:
– Tem que chamar todos os presidentes de escolas de samba para constituírem uma entidade única, com quem o governo pode conversar. Trabalhar para que, na pista de eventos, tenha um espaço para tratar as questões do bairro, fazer oficinas, chamar escolas, economia solidária. Tenho esperança de que isso vá se resolver.
Sandro Ferraz observa que voltar para o contexto anterior e sair do Porto Seco pode ser um problema:
– Sair de lá não é a solução. A solução é termos, de verdade, um equipamento que comporte um espetáculo magnífico. Hoje, o Carnaval começa a se reestruturar, mas essa iniciativa só passa por um local que tenha a condição de conduzir e suportar tudo isso. Alguma coisa que nos desse a condição de olhar para aquele pedaço e não enxergar uma pista de pouso.
Avanço irrisório
Há duas décadas, o Carnaval de Porto Alegre ganhava uma estrutura definitiva, mas incompleta. Quando a pista de desfiles foi inaugurada, em 2004, a promessa era de que, em 2005, as arquibancadas fixas seriam entregues. O plano não saiu da etapa de projetos. No final do ano de 2004, cinco dos 15 barracões do Complexo foram entregues. Os demais galpões foram sendo finalizados e ocupados até 2008.
A prefeitura lançou a licitação para o Sambódromo em 2003. A pista de desfiles foi entregue às vésperas do Carnaval de 2004. Para garantir a festa em novo endereço, operários trabalharam 12 horas por dia, de segunda a segunda. Teve carnavalesco rezando para São Pedro colaborar com o clima. A previsão era de que a estrutura do Complexo ficasse pronta em 2005.
– A mudança ocorreu para uma estrutura que permitia as alegorias saírem dos barracões e adentrarem a avenida. Os barracões foram consolidados, mas o Porto Seco passou por vários governos e a pista de eventos não saiu do papel. Nesses anos, vários projetos surgiram, uns fora da realidade, e não basta ser bonito tem que ser funcional – comenta o secretário adjunto da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa, (SMCEC), Clóvis André.
No ano passado, pela primeira vez em 20 anos houve um avanço positivo. O complexo passou a ter um sistema de segurança privada. O local vinha sendo alvo de invasão e vandalismo e constantes furtos de cabos de energia elétrica.
– Os muros do Porto Seco estavam derrubados, o mato estava alto, muitas toneladas de lixo. Teve que se fazer uma requalificação na estrutura para fazer o Carnaval de 2022. Passando os desfiles, percebeu-se a necessidade da segurança privada – detalha o secretário.
Renovação da promessa
Não houve passos que, de fato, mudaram o cenário. Mas a esperança foi renovada com a busca do governo municipal em materializar um caminho para o início do projeto. Em abril do ano passado, um leilão realizado pela Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap) da prefeitura vendeu todos os 15 terrenos oferecidos, localizados no complexo do Porto Seco. Foram arrecadados R$ 45.580.201,00 em seis horas de certame. Conforme Clóvis André, desse recurso, cerca de R$ 30 milhões foram para o Fundo de Patrimônio Municipal.
– Esse recurso da venda está guardado para ser utilizado na construção definitiva. Isso nunca aconteceu em outro momento. Esse ano deve-se tomar uma decisão de um cronograma, como será a parceria em contrapartida. Não há datas, mas existe luz no final do túnel, o que não tinha três anos atrás. Hoje o Carnaval recebe apoio do governo municipal e o dinheiro que é investido vai qualificar o fomento e a entrega do espetáculo. Eu não tenho dúvida que o espaço seria um grande equipamento da cidade, mais do que um polo cultural, seria um ponto turístico – destaca Clóvis, que tem como compromisso ver esse projeto encaminhado.
Uma das preocupações do secretário adjunto, que também é sambista, é que a construção respeite a identidade do Carnaval. Isto é, a ideia de colocar comércios e espaço para outros setores públicos atuarem lá pode ser um dos fatores que dificulte a locação para eventos.
– O equipamento tem que ser pensado para estar livre para ser modelado. Eu fico receoso de virar um equipamento que não tenha caraterística cultural. Coloca um posto de saúde, uma creche, quando vê ocupou muito do espaço. E a estrutura acaba sofrendo e quem vai manter isso? O Porto Seco, sim, é um complexo cultural pensado para as escolas de samba, mas pode ser usado para outras atividades, para garantir uma renda e a manutenção.
Participante do Carnaval há décadas, Clóvis relembra, brevemente, o primeiro desfile no Porto Seco:
– Eu estava lá, desfilei. Houve empate entre Imperadores e Bambas da Orgia. E a Restinga ganhou no grupo de acesso. As três principais escolas de Porto Alegre ganharam neste encontro.
Neste final de semana, a estrutura montada para os desfiles comporta cerca de 9 mil pessoas (veja a programação abaixo). A prefeitura destinou mais de R$ 9 milhões para o Carnaval 2024, incluindo a revitalização e estrutura montada no Porto Seco, repasse para as escolas, organização dos blocos, entre outros. Devido aos últimos incentivos, Clóvis está esperançoso quanto ao futuro do Porto Seco:
– Nunca estivemos perto de poder materializar. Queremos algo simbológico, significativo e que dê conta da importância, do tamanho e identidade da cultura popular de Porto Alegre, que é de um Carnaval colorido, plural, que está na Restinga, no Rubem Berta, na Bom Jesus, no Partenon, na Cruzeiro, que dialoga com as Ilhas, e que representa a nossa comunidade.
Te Programa!
Desfile das escolas de samba
- QUANDO: hoje, a partir das 20h, e amanhã, a partir das 19h.
- ONDE: Complexo Cultural do Porto Seco (Rua Hermes de Souza, s/n° – Rubem Berta).
- QUANTO: entrada gratuita para arquibancadas. Os ingressos poderão ser retirados diretamente no sambódromo, por ordem de chegada nos dias dos desfiles – a partir do horário de abertura dos portões, às 18h – e conforme a capacidade do espaço.
- TRANSPORTE PÚBLICO: a linha E10 Restinga/Carnaval – via Lomba do Pinheiro – sairá do terminal Nilo Wulff, na Restinga. A E33 linha especial Carnaval – via Assis Brasil – sairá do terminal CPC no Centro Histórico. Além disso, as linhas regulares 633 Costa e Silva e T6 atenderão as demandas de chegada e saída do sambódromo.
- Os passageiros podem consultar informações sobre o transporte coletivo, em tempo real, na função GPS do aplicativo do Cittamobi, Moovi, Lá Vem o Ônibus ou Cartão TRI, disponível para smartphones IOS e Android. As equipes do atendimento ao cidadão 156 ou 118 e de fiscalização permanecem com atendimento 24h. Os agentes de fiscalização da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) estarão nas ruas a partir das 6h de hoje e amanhã para auxiliar na organização do entorno do Porto Seco. O monitoramento de trânsito e bloqueios começa a partir das 17h de hoje até o final dos desfiles.
- A Rua José Assis Borges Pintos ficará bloqueada entre a Avenida Plínio Kroeff e a Rua Hermes de Souza. A Rua Ariovaldo Lopes Paz terá seu sentido invertido da Élvio Antônio Felipetto em direção à Santíssima Trindade e o acesso será restrito. O acesso à Rua E6, próximo ao portão principal do evento, terá bloqueio total de trânsito, contando apenas com passagem para pedestres.
- ESTACIONAMENTO: para quem for de carro ao Porto Seco, haverá estacionamento no local com capacidade para 1,4 mil automóveis. O valor será de R$ 40 por noite.
- REGRAS DE ACESSO AO PORTO SECO: será permitido levar cadeira de praia; não é permitido entrar com objetos perigosos, como garrafas de vidro, garrafas térmicas, latas de alumínio, sinalizadores, fogos de artifício, objetos cortantes e armas de fogo não é permitida a entrada com guarda-chuva; cada pessoa poderá levar até dois vasilhames plásticos de 500ml com bebida (água, suco, refrigerante ou cerveja) e cada pessoa no camarote/frisa terá permissão para entrar com um pote de alimento para consumo pessoal. Isso pode incluir lanches leves, refeições, salgadinhos, sanduíches etc; estão proibidos objetos que possam portar outros utensílios, como isopores e coolers; será permitida a entrada de mochilas ou sacolas retornáveis (sacolas que utilizamos para compras no supermercado), desde que não tenha nenhum item não permitido citado nas regras do evento.