Com arquibancadas lotadas desde antes da meia-noite deste sábado (24), o segundo dia de desfiles do Carnaval de Porto Alegre contou com a apresentação das últimas cinco escolas da série Ouro: Unidos de Vila Isabel, União da Vila do IAPI, Estado Maior da Restinga, Imperadores do Samba e Realeza.
A apuração e o resultado da grande campeã de 2024 ocorre nesta segunda-feira (26), a partir das 15h, no Complexo Cultural do Porto Seco.
Confira um pouco do que cada agremiação levou para a Avenida no segundo dia de desfiles.
Unidos de Vila Isabel
A concentração do Complexo Cultural do Porto Seco parou! E não era para menos, já que o grande homenageado da escola estava entre nós: Neguinho da Beija-Flor. Com o enredo Neguinho do Brasil Flor que a Vila Beija, a Vila Isabel fez uma ponte entre a negra flor do deserto e a vida do ícone do Carnaval brasileiro.
O primeiro carro trouxe a pomba da paz, símbolo da agremiação de Viamão, toda dourada. Em um dos momentos mais aguardados do desfile, logo após a ala que falava da música Mulher, Mulher, Mulher, veio Pinah, baluarte da escola de Nilópolis (Rio de Janeiro) que encantou o então príncipe Charles durante visita dele ao Brasil, em 1978.
A bateria fez algumas paradinhas e o que se ouviu em alto e bom som foi o refrão cantado pelo público: "É povo é raça / É brasilidade / Identidade de um grande amor / Na deusa da passarela / Neguinho da Beija Flor!".
Levantando as arquibancadas, Neguinho veio no último carro, cercado por amigos como Nenê da Praiana (no topo, ao lado dele), Renato Dornelles, entre outros.
– É muito emocionante, a gente espera um ano inteiro por esse momento. A gente trabalha todo dia, ensaia, constrói o tema. E esse momento aqui é a coroação do nosso trabalho, dos nossos ensaios – disse Lia Sahagoff, uma das musas da escola.
União da Vila do IAPI
Segunda escola da noite, a União da Vila do IAPI entrou na Avenida com o enredo Axabó! A voz que Ressoa da Bahia, Ecoa na Vila, exaltando a força das mulheres por meio da figura da orixá muito cultuada principalmente nos terreiros de Salvador.
Axabó é vista como a representação feminina de Xangô, e foi isso que o primeiro carro alegórico da IAPI mostrou. Atual rei Momo do Carnaval de Porto Alegre, Pablo Gawlinski (Japa), veio como um dos destaques do abre-alas.
– Desfilar na minha escola de coração é muito emocionante, ainda mais representando Xangô, que é o meu orixá de cabeça. Estou bastante animado – disse Pablo, mostrando a fantasia confeccionada por ele mesmo em pouco mais de três semanas.
Quem também estava empolgado – e com motivos de sobra para comemorar – era Di Trindade. O passista desfilou representando as oferendas, ao lado da também passista Laureen Carvalho.
– Coração a mil, a gente está vindo do trabalho de um ano. E, hoje, eu estou completado 15 anos de Avenida. É muita felicidade . A escola está linda, vamos com tudo – comentou Di.
Vale ressaltar que vários componentes desfilaram de pés descalços, como em uma grande festa de batuque onde não se usa calçado (já que o contato do orixá tem que ser com o chão, com a terra).
A última alegoria da escola colocou Salvador dentro do Porto Seco, com a representação do Pelourinho, da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e também trazendo uma exaltação a Maria Felipa – líder do grupo de mulheres chamadas de vedetas e que teria participado da luta da Independência da Bahia.
Estado Maior da Restinga
O universo infantil tomou conta do desfile da atual campeã do Carnaval de Porto Alegre, Estado Maior da Restinga. A escola passou na Avenida com o enredo Crianças: Que Todas Sejam Amadas, Respeitadas e Protegidas, Diz o Estado Maior da Restinga, levando o público a uma reflexão em relação a direitos, construção de ideias e respeito ao ser criança, em meio a tantos problemas sociais.
Na comissão de frente, um garotinho representava o tinguerreiro que floresceu, bem como cantado no samba-enredo ("A terrinha cultivou o amor verdadeiro / E floresceu mais um tinguerreiro").
Dividida em 20 alas e quatro alegorias, a escola coloriu a passarela Carlos Alberto Barcellos Roxo. Personagens famosos, como Chaves, Chapolin Colorado, Mulher Maravilha, Super-Homem, entre outros, cruzaram a Avenida. Destaque para o último carro, Nas Asas do Cisne: Oficinas de Formação Cidadã, ressaltando os projetos sociais promovidos pela Estado Maior.
Quem estava radiante em meio ao desfile era Raquel Nunes, idealizadora do Mini Divas. O projeto tem como objetivo incentivar a cultura do Carnaval desde a infância, proporcionando o desenvolvimento de habilidades musicais, técnicas de dança, expressão corporal e muito mais. Ela e suas meninas formaram uma das alas da Restinga.
– É um tema que fala de representatividade, de mazelas e, principalmente, do futuro do Carnaval: as nossas crianças. A gente precisa e tem que cuidar dessas crianças. Se a gente não fizer, tudo acaba. Nunca vi tantas crianças em desfiles de escolas de samba como percebi esse ano. As pessoas vibram com elas, é lindo demais – destacou Raquel.
Imperadores do Samba
Com o gritos de "a escola do povo preto chegou" vindos das arquibancada e camarotes, a Imperadores do Samba chegou reverenciando a ancestralidade negra no enredo Somos Filhos de Rainhas e Reis. A ideia central foi valorizar a realeza ancestral, como pontuado na sinopse do desfile: "Somos filhos da herança e do legado da África no Brasil. Filhos de rainhas e reis de um Brasil negro, como Zumbi e Dandara. O Quilombo dos Palmares se tornou reino de foragidos em busca por liberdade, resistindo à escravidão".
Chamou atenção a utilização em peso do dourado, representando riqueza. Outro detalhe foram os tripés. Um deles, do livro Primavera Para as Rosas Negras, de Lélia Gonzalez – uma das principais referências na luta contra o racismo e o sexismo no Brasil – , trouxe como destaque Vivian e Viviane Vaz, conhecidas como As Manas.
– É muito mais emoção enorme porque, pela primeira vez, eu e minha irmã gêmea estamos desfilando pela Imperadores. Ainda mais em um tema maravilhoso, pois todos somos filhos de reis e rainhas. É gratificante fazer parte dessa representatividade de mulheres negras – disse Vivian.
A segunda porta-estandarte, Sara Peixoto, falou do que estava sentindo antes de entrar em cena para defender o pavilhão da Imperadores e resumiu a importância de celebrar a negritude:
– Me acabei chorando aqui. É um Carnaval que veio pra ensinar pra muita gente que o povo preto não é só dor e que a gente tem muita coisa por trás. É uma história linda. A gente precisa, claro, falar do momento de dor para que isso não aconteça novamente. Mas também temos que contar da nossa parte cultural, da parte gastronômica, daquilo que é importante. Estou muito feliz.
Realeza
Fechando a maratona de desfiles pelo segundo ano consecutivo, a Realeza homenageou os 50 anos do Afro-Sul Odomode com o enredo Alma Negra - Um pedaço da África no Afro-Sul do Brasil.
O espaço de identidade e resistência afro em Porto Alegre produz arte há cinco décadas por meio de atividades educacionais e culturais. A ideia por trás do projeto é unir as influências de todos os povos que formam a identidade cultural do Sul do Brasil.
A comunidade artística de Porto Alegre se uniu em peso junto à Realeza. Alas formadas pelos alunos do curso de dança da UFRGS, por antigos bailarinos do Afro-Sul e outros segmentos da arte, por exemplo, estavam presentes na passarela do Porto Seco.
– Estar representando o Afro-Sul Odomode é muito gratificante. Eu venho com uma fantasia de "Iara benzeu minhas mãos com alfazema" (estrofe inicial do samba-enredo). E é isso que eu vou fazer na Avenida - revelou a primeira porta-estandarte da Realeza, Jacqueline Soares, que desfilou com um borrifador de alfazema nas mãos.
Uma das alas lembrou a Sociedade Cultural Beneficente Escola de Samba Garotos da Orgia, fundada em 1980. Por influência do Grupo Afro-Sul, a agremiação determinou em seu estatuto que só apresentaria enredos que enaltecessem a cultura africana no período que participou do grupo especial do Carnaval de Porto Alegre. A escola fez seu último desfile em 1998, quando o Afro-Sul assumiu a direção da escola de samba e a transformou no Bloco Afro Odomodê.
O poeta gaúcho Oliveira Silveira (1941 – 2009) também recebeu homenagem dentro do desfile. Militante do movimento da Negritude em Porto Alegre, ele integrou o grupo Palmares no período de 1971 a 1978 sendo um dos líderes da campanha pelo reconhecimento do Dia da Consciência Negra em 20 de novembro, data de assassinato do líder do Quilombo dos Palmares.
Depois da Realeza, o público tomou a passarela do Porto Seco em uma lindo arrastão de encerramento, já com dia claro.