Porto Alegre teve de correr contra o tempo para ter condições de abrigar os Jogos Mundiais Universitários de 1963, conhecidos como Universíade, realizados pela primeira vez na América Latina. O Ginásio da Universíade, por exemplo, foi erguido do nada em apenas 92 dias.
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O terreno do Corpo de Bombeiros, na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua Silva Só, foi cedido em 1962, no encerramento do governo Leonel Brizola, especialmente para a realização do evento. A construção teve início em 24 de maio de 1963 e foi entregue aos organizadores dois dias antes da abertura da Universíade. O espaço com capacidade para 7 mil espectadores foi palco apenas das partidas de basquete.
Depois chamado de Ginásio da Brigada Militar, foi caindo no esquecimento, pelo menos no que diz respeito ao evento histórico, até ser completamente demolido, em 2019, para dar lugar a um empreendimento imobiliário.
Na inauguração, em 29 de agosto de 1963, o então presidente do Comitê Executivo da Universíade, Henrique Halpern, fez um discurso entusiasmado, referindo-se ao ginásio como "gigante ciclópico":
— Poucos acreditaram que o gigante ciclópico se tornasse realidade para o êxito da Universíade. Agora ele está aí, para despeito de uns poucos e a satisfação de muitos que torcem pelo êxito dessa promoção. Aí está para provar a capacidade realizadora da gente gaúcha, orgulhosa em poder apresentar uma promoção da grandiosidade dos Jogos Mundiais Universitários que se abrem nesta Capital.
Os engenheiros Irany Frainer e Abrahão Nudelmann foram os responsáveis pela obra. Eles tiveram auxílio de mais 15 engenheiros voluntários, cedidos por outros órgãos e empresas.
Uma das atrações foi a instalação de placares eletrônicos e tabelas transparentes. Na época, apenas Rio de Janeiro e São Paulo possuíam algo assim. Todos sentiam orgulho de sua construção em tempo recorde.
O Grêmio Esportivo Israelita, sensação do campeonato metropolitano de basquete, ofereceu 150 milhões de cruzeiros ao governo gaúcho para ficar com o espaço depois do término da Universíade. Porém, o negócio não acabou se concretizando.
Um fato que foi abafado pela imprensa da época ocorreu antes da final do basquete masculino entre Brasil e Cuba. Houve superlotação no ginásio, e uma mulher, na tentativa de ingressar, morreu pisoteada durante o empurra-empurra.
Surge uma Vila Olímpica
Para a Vila Olímpica, a extinta Caixa Econômica Estadual cedeu seis blocos de apartamentos em um conjunto habitacional recém-construído no bairro Partenon. Os atletas dos países visitantes ocuparam cinco blocos inteiros e, no sexto, ficava a organização do evento.
Foram oferecidas 450 unidades aos competidores. Noventa funcionários cuidaram da limpeza dos alojamentos. Também havia um ambulatório médico no local.
O condomínio ainda existe – fica na Intercap. Em cada unidade, é possível ver escrito o nome dos continentes participantes e o do país-sede. Quem tiver curiosidade basta caminhar no trecho pela Rua Artur de Oliveira e observar as edificações. Em uma delas está estampado "Bloco Brasil".
— Me criei na Intercap e já sabia dessa história. Depois virou moradia — conta a aposentada Neide Peralta, 62, moradora há oito anos do "Bloco Oceania" da Vila Olímpica.
Para o também aposentado Joni Carlos Mendicelli Jr, 63, morador do "Bloco África", a alegria é ver o próprio Brasil celebrado em uma das paredes.
— Para mim é uma coisa inédita ver um país nosso aqui representado — resume.
O refeitório dos atletas ficava a 900 metros de distância da vila, e o 18º Regimento de Infantaria do Exército servia as refeições às delegações visitantes. O chef responsável era Pierre Legarde, com experiências como maître do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e como responsável pela alimentação servida nos aviões da Varig.
A base dos pratos eram as cozinhas alemã e francesa. Não faltaram acontecimentos curiosos em um local que abrigava tantas culturas diferentes.
Em uma ocasião, dois franceses e um italiano decidiram tomar banho de sol nus na Vila Olímpica. Foram detidos, mas acabaram soltos depois.
O jornalista Rodrigo Koch revela em seu livro Universíade 1963 – História e resultados dos Jogos Mundiais Universitários de Porto Alegre, lançado em 2003, que houve problemas na Vila Olímpica:
"(...) Os ingleses – que chegaram a ameaçar voltar para a Europa – não gostaram das acomodações; franceses e japoneses pediram mais cobertores e reclamaram da falta de água nos banheiros; e as chaves não abriam algumas portas nos quartos da delegação feminina da França. Todos os problemas foram sendo resolvidos à medida que surgiam, em sua maioria pelo Corpo de Bombeiros", escreve o autor.
A delegação brasileira, que continha 29 atletas gaúchos, ficou abrigada no Hotel Pampa, na região central da Capital. Já a área de imprensa ficou em um espaço cedido pela Secretaria de Turismo do RS: o prédio conhecido como "mata-borrão", na esquina da Rua General Andrade Neves com a Avenida Borges de Medeiros.
A Rádio da UFRGS foi escolhida como transmissora oficial das disputas. Apresentava boletins em alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e russo. A Revista do Globo concedeu ampla cobertura em suas páginas ao evento. O cinegrafista Ivo Czamanski, falecido no último dia 19, filmou diversas provas e suas imagens circularam pelo mundo.
Atualmente, o Centro de Memória do Esporte (Ceme) da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (Esefid) da UFRGS mantém um acervo sobre a Universíade, com os mais diversos itens cedidos por participantes, competidores, delegações estrangeiras e também integrantes da Associação dos Moradores da Intercap.