A obra para revitalização do Viaduto Otávio Rocha, patrimônio histórico localizado no centro de Porto Alegre e tombado por sua relevância cultural, está orçada em R$ 13,7 milhões e tem empresa definida por licitação para sua execução. Contudo, a restauração só sai do papel se forem fechadas as lojas situadas sob os arcos do monumento. Até a tarde desta quarta-feira (19), que era o último dia para deixar o viaduto, cinco estabelecimentos permaneciam abertos. Parte dos lojistas não expressava a intenção de sair.
Diante do impasse, a prefeitura ameaça entrar na Justiça e pedir a reintegração de posse do patrimônio público. Mas antes dessa medida ainda decidiu prorrogar o prazo de saída dos lojistas. Na manhã de quinta-feira (20) haverá uma última reunião entre as partes para tentar se chegar a um acordo. A data de início das obras deverá ser definida no mesmo encontro.
— A prefeitura já tem os recursos. E por isso é importante começar (a obra) o quanto antes, para evitar a variação dos preços dos insumos para construção. A gente estabeleceu uma governança de diálogo com os ocupantes do espaço. Dentro dos limites da legalidade, naquilo que é possível a administração pública fazer, nós estamos buscando estabelecer uma forma de realocá-los — explica o secretário de Obras e Infraestrutura do município, André Flores.
A benfeitoria será executada pela empresa Concrejato, com a qual a prefeitura assinou contrato em 7 de julho, formalizando a realização do trabalho. Os serviços envolvem restauração, recuperação, correção e conservação das estruturas. Contempla instalações elétrica, telefônica e lógica, sistemas de segurança e iluminação pública, adequações na rede hidrossanitária, no sistema de drenagem e um processo de impermeabilização.
Além da recuperação dos elementos construtivos, a empreiteira também será responsável pela restauração dos itens decorativos, como os parapeitos balaustrados que protegem o passeio na extensão das quatro calçadas do alto do viaduto, as quais desaguam o caminhar das pessoas nas ruas Fernando Machado, em direção aos bairros, e Jerônimo Coelho, no sentido do Centro.
Entre os objetos da reforma, haverá a substituição de todo o cirex, revestimento característico do viaduto. O Otávio Rocha foi construído entre 1926 e 1932 em concreto-armado, mas recebeu essa cobertura que imita a textura do granito.
Em um dos espaços comerciais do monumento arquitetônico está instalada uma singela oficina de conserto de relógios. Foi fundada em agosto de 1972 pelo relojoeiro José Ademar Fernandes, hoje aposentado aos 82 anos. Atualmente é administrada pelo filho André Fernandes, 51.
— A gente entende que a reforma é necessária. A nossa preocupação é de que o novo ponto que a prefeitura oferecerá precisa ser adequado ao perfil de negócio — aponta André.
Segundo ele, a família efetuou o pagamento de forma pontual e rigorosa da taxa de usufruto do local à prefeitura durante os 50 anos de ocupação do lugar. O valor atual é R$ 847. Ele afirma que a prestação está em dia.
Em outro estabelecimento, a música Givin' the Dog a Bone, da banda de rock AC/DC, dá bom dia aos visitantes, em acordes pesados de guitarra. É um sebo, loja que compra, vende e troca livros, discos de vinil, CDs, HQs e revistas.
— Esse projeto (reforma) existe porque nós trabalhamos nele. Entendemos a necessidade da obra, mas só vamos sair se a prefeitura nos colocar em um local adequado ao segmento de atividade de cada um — reclama o lojista Adacir Flores, que mantém o sebo há mais de 20 anos e, antes disso, administrou uma lancheria que funcionava no mesmo local. São 35 anos de trabalho no viaduto.
Sustentabilidade em risco, avaliam lojistas
Para os lojistas, o ponto crítico da situação ocasionada pelo projeto de revitalização do Otávio Rocha é a manutenção da clientela, em parte fidelizada pelos anos de estabelecimento na base do viaduto. Eles temem perder a freguesia habitual e receiam não ter fôlego financeiro para impulsionar seus negócios em um novo ponto comercial, ainda mais se o local for indesejado por não corresponder ao perfil de consumo dos produtos ofertados nas lojas.
Por esta razão, Adacir Flores preside uma associação que congrega oito lojistas que serão atingidos pela mudança provocada pela reforma. Flores diz que o grupo almeja ocupar espaço no segundo piso do Mercado Público, pois considera que o local tem tanta circulação de consumidores de bens culturais quanto avalia existir na região do viaduto, onde as ruas Riachuelo e General Câmara compõem um eixo de livrarias e sebos de livros.
A venda dos discos na loja do Flores é apreciada pelo autônomo Gilmar Santos, 60. Enquanto dedilha as capas dos LPs que estão sobre as bancadas, vai separando aquelas peças que mais lhe interessam. Depois da garimpagem, puxa o vinil de dentro do papelão. Examina contra a luz para ver se não tem arranhões que possam prejudicar a audição. No final, escolhe a trilha sonora do filme Os Embalos de Sábado à Noite, que bota para dançar ao som dos Bee Gees e permite imaginar passos arrojados ao estilo John Travolta e Olivia Newton-John.
Informalidade e inadimplência são barreiras, sustenta secretário
Dados da prefeitura apontam que dos 33 espaços concedidos para empreendedores, apenas cinco possuem documentação que comprova a permissão do poder público para ocupação das lojas. Desses cinco, conta o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Vicente Perrone, três estão com os pagamentos em dia.
— A prefeitura fez todo o esforço possível. Ofereceu formas de renegociação de dívidas e tributos. O diálogo vem ocorrendo desde julho do ano passado. A gente não questiona o tempo ou a relevância da atividade que estas pessoas fazem, mas os 28 comerciantes sem documento ou qualquer comprovação de permissão estão na condição de ocupantes irregulares — define Perrone.
O secretário adianta que a provável destinação dos espaços do viaduto, após a reforma, será por meio de um novo edital de licitação para permissionários. O potencial de arrecadação, conforme ele, ficará em torno de R$ 50 mil a R$ 60 mil mensais. O montante irá abastecer o Fundo do Patrimônio Municipal, de onde verbas serão sacadas somente para conservar e restaurar os prédios públicos onde é aplicada a permissão de uso.
Perrone revela, ainda, que a redação de um pedido para reintegração de posse, em caráter liminar de urgência, está em fase de acabamento. De acordo com o secretário, a ação será ajuizada quando a administração considerar que não há mais espaço para diálogo.