Nilson Souza
Jornalista, cronista de ZH e conselheiro da Associação Riograndense de Imprensa
Pelo olhar da poesia, ficamos sabendo que a Capital dos gaúchos tem esquinas esquisitas e ruas encantadas. Pelo olhar da literatura, já fomos apresentados a muitos personagens fictícios da cidade, como a adolescente curiosa que morava na pensão da tia ou o funcionário público atormentado por sua dívida com o leiteiro. Pelo olhar da história, constatamos que cada espaço urbano desta província-metrópole tem alicerces no passado e já teve algum nome encantador em sua vida pretérita. Pelo olhar da música, formou-se quase o consenso de que Porto Alegre é demais.
Mas é pelo enfoque do jornalismo que a cidade se desnuda e revela o que tem de mais humano, sedutor, divertido, curioso e inusitado, sem perder seu vínculo com a realidade. Esse talvez possa ser um simplificado resumo das reportagens de quatro profissionais que integraram a editoria de Porto Alegre de Zero Hora e GZH, todas publicadas nos veículos do Grupo RBS e agora reunidas no livro POA – Pessoas, Olhares, Amores, que tem lançamento nesta quinta-feira (4/8), às 20h, no térreo da Casa de Cultura Mario Quintana.
A obra é um recorte saboroso do cotidiano da cidade, focada em seus recantos, diferentes tipos humanos e peculiaridades da vida local. Os autores são Bruna Vargas, Caue Fonseca, Jéssica Rebeca Weber e Marcelo Gonzatto, jornalistas reconhecidos pelo talento, pela competência e pela integridade na atividade de informar. Em 47 histórias magistralmente escritas, derramam sobre a cidade um “olhar afetivo”, como bem registra o editor André Roca na apresentação.
Quando um repórter sai por aí a reportar, tudo é possível – inclusive reportagens leves e edificantes que mais parecem contos, crônicas e narrativas anedóticas. São, na verdade, histórias da vida real protagonizadas por personagens de carne e osso, com nome, sobrenome e singularidades que dão sabor à leitura, flagradas pelo apuro profissional do olhar jornalístico.
Repórter não faz poesia, não faz ficção, não compõe canções, nem se atém só à consulta de documentos e registros históricos – ressalvadas, evidentemente, algumas exceções. Repórter observa, investiga, pergunta, bisbilhota até se for preciso, sempre com o propósito de entregar ao público um conteúdo atraente e informativo, com detalhes, curiosidades, surpresas, depoimentos, múltiplas versões e – por que não? – poesia e emoção.
Li com atenção, prazer e até orgulho cada história desse livro que já considero um dos melhores presentes para Porto Alegre no seu aniversário de 250 anos. Meus colegas de ofício – e aqui justifico o orgulho – conseguiram tornar interessantes e relevantes pequenos recortes do cotidiano que muitas vezes nos passam despercebidos. Com textos precisos e instigantes, transportam os leitores da rotina para o insólito e transformam pessoas comuns em extraordinárias, simplesmente por ouvi-las, tratá-las e descrevê-las com humanidade.
Para isso, os quatro realizaram o que os estudiosos do jornalismo literário chamam de imersão – observando e investigando o comportamento dos entrevistados para compreender seus valores e motivações. Em alguns casos, percebe-se até um envolvimento do jornalista, sem que a eventual cumplicidade comprometa a isenção da narrativa final. No meu tempo de editor, eu lhes diria: “Belo trabalho, meninas e meninos!”.
Da mesma forma, por mais suspeito que possa parecer, não é por minha condição de jornalista que assino este atestado público de excelência ao trabalho dos coleguinhas. Prefiro usar aqui minha credencial de porto-alegrense nativo para assegurar que me identifiquei totalmente com as pessoas, os olhares e os amores de cada história. Elas passam a integrar meu repositório pessoal de referências da minha cidade, assim como cultuo com devoção os poemas de Mario Quintana, os romances de Erico Verissimo e Dyonélio Machado, os guias de Sérgio da Costa Franco e as composições de José Fogaça, expressões do melhor porto-alegrismo referidas nas entrelinhas iniciais desta resenha.
As histórias
São 47 reportagens divididas em três seções:
- Pessoas: perfis de personagens da cidade, dos mais aos menos ilustres. Do premiado escritor José Falero ao incansável vendedor de incensos José Martinez;
- Olhares: passeios por cenários inusitados, como a uma final de campeonato de bocha (foto no início deste texto) ou uma degustação de água da torneira;
- Amores: histórias de afeto, como a das freiras casadas com Cristo em plena Cidade Baixa e a despedida de um músico do seu instrumento.