Em dezembro de 2011, a artista plástica Clarissa Motta Nunes e sete pedreiros colaram 3,3 mil azulejos coloridos nos degraus que ligam a Rua Duque de Caxias a André da Rocha, no centro de Porto Alegre. Era para ser uma intervenção temporária, mas a autora não deixou arrancar após os três meses do circuito de arte urbana Artemosfera.
Junto com moradores, apaixonados pelo resultado, Clarissa se comprometeu a manter a obra. E foi assim que a Escadaria 24 de Maio virou um ponto turístico da Capital — e um xodó dos porto-alegrenses.
— É um dos lugares mais bonitos da cidade — garante o corretor de imóveis Eduardo Carneiro, 40 anos, depois de fazer um book do lugar.
A “escadaria colorida” foi visitada por turistas gringos e brasileiros nos últimos 10 anos, chamou atenção de artistas como o rapper Criolo, foi usada em comercial na Europa. É comparada com a Selarón, que liga a Lapa ao bairro Santa Teresa no Rio de Janeiro, embora não fosse esse o objetivo da artista. O que ela sempre quis foi levar um pouco de leveza e poesia a quem diminuísse o passo para ler as mensagens gravadas nos azulejos.
Além de desenhos que ela fez no seu ateliê, as peças têm trechos de poemas ou músicas, de Chico Buarque (“Eu semeio o vento na minha cidade, Vou pra rua e bebo a tempestade”) a Fernando Pessoa (“Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”).
Também tem relatos de moradores da 24 de Maio sobre o abacateiro que uma vizinha tinha, as crianças do bairro e o medo da violência. Ela anotou os depoimentos através das janelas dos prédios antigos, que dão direto na escadaria.
— Queria saber mais do lugar, me contaram como era perigoso, mas ao mesmo tempo como era gostoso morar aqui — diz Clarissa.
Fez os modelos em folha de ofício, com a sua letra, e mandou para uma empresa de serigrafia estampá-los em azulejos coloridos. A colagem levou uma semana, e a trabalheira foi coroada com roda de samba e vizinhança reunida.
— Toda a rua participou da inauguração. Todo mundo dançando, foi uma alegria. E como é simples a gente fazer isso. Se a gente tivesse mais recurso, faria mais arte urbana na cidade, muda totalmente o astral do lugar — conta.
Uma parceria com os moradores fez, nos últimos 10 anos, a colagem de azulejos que se desprenderam e a substituição de peças. Mas a comunidade tem pleiteado com a prefeitura uma reforma da escadaria: pedem, entre outros, limpeza, conserto de degraus, pintura dos corrimãos e instalação de câmeras para coibir roubos. A Secretaria de Planejamento e Assuntos Estratégicos afirma, por meio da assessoria de imprensa, que melhorias nas escadarias do Centro Históricos são uma das prioridades da pasta, mas ainda se prospectam recursos para as obras.
A artista também está atrás de uma empresa que tope fazer a adoção da obra de arte, para arcar com um restauro profissional e constante.
O caso de Clarissa com a Escadaria 24 de Maio foi de amor à primeira vista. Ela tinha passado uma vez por lá antes de ser convidada para fazer a revitalização, e já tinha visualizado o potencial do lugar.
É que o dia a dia ali tem um charme único, que lhe parece algo desconexo de Porto Alegre. O tanto de pássaros pousados no fio de luz, uma árvore no meio dos degraus, as plantas trepadeiras que escalam as paredes. Um vizinho que canta no segundo andar de um prédio, o cheiro de pizza assando no forno de apartamento no térreo — e tudo vaza para a escadaria, que serve de pátio aos moradores.
Aos sábados, a comerciante aposentada Eva Marlete Campos, 78 anos, arma um bazar na rua com livros para doação ou troca.
Moradora da 24 de Maio desde os anos 1970, ela foi uma das pessoas que lutou para a construção de uma escadaria decente naquele barranco e reúne os azulejos que caem para serem afixados novamente.
Já conheceu uma pá de gente que passa por ali. Já falou com turista francês, holandês, paulista.
— Parece que as pessoas passam por aqui e tem vontade de conversar.
É como diz seu azulejo preferido da escadaria, com mensagem de Abraham Lincoln: “Não te esqueças que os estranhos são amigos que ainda não conheces”.