Vestindo blazer e um chapéu italiano, o consultor de TI Carlos Vinkler chegou às 20h em ponto ao número 198 da Rua Olavo Bilac, acompanhado da administradora Karine Silva, 38 anos, de vestido e brincos vermelhos, um casaco preto brilhante e salto alto.
— O fado merece esse garbo — grifa ele.
O casal garantiu o seu lugar assim que soube da retomada dos shows na Casa de Fado Maria Lisboa, no bairro Azenha, a única desse tipo na Capital. Na verdade, os donos, Edna Souza, 41 anos, e Jeferson Luz, 46, afirmam que não há proposta igual no Brasil.
Quinzenal e, em breve, semanalmente, a casa promove apresentações de fado do grupo Alma Lusitana, com Alana Pereira no vocal, Querim Zanetti no violão e o próprio Jeferson na guitarra portuguesa. Na casa já moraram os bisavós, avós, pais e a família dele antes de ser transformada em centro cultural.
Na noite de sábado (26), a segunda desde a retomada, os clientes eram esperados à luz de velas, com bolinhos de bacalhau e uma dose de vinho do porto. Quando viu as sete mesas ocupadas, Edna se apresentou e deu as boas-vindas ao público:
— Este lugar tem uma história em família, de amor. A gente sempre sonhou em ter essa casa e receber vocês como amigos.
Ela não deixou de se emocionar, lembrando das dificuldades impostas pela pandemia, que os manteve por 16 meses com a casa fechada.
— A gente é resistência. Não é fácil fazer cultura no Brasil, ainda mais agora. Estamos aqui por todos os que infelizmente não podem mais estar — afirma Edna.
Então ela fala sobre as recomendações para a noite. Durante a apresentação, o garçom não passa pelas mesas. Reposição de bolinhos de bacalhau, pedidos de bacalhau às natas ou de vinhos (o verde, típico de Portugal, sai bastante) precisam ser solicitados por WhatsApp para que sejam servidos no intervalo. Então a casa faz silêncio porque vai começar o fado.
Esse é um estilo musical melancólico, que aborda temas como a saudade em suas letras. Como diz um artigo em página amarelada emoldurado e pendurado na parede da casa, “é o destino posto em canção, a ter certeza da própria existência, do sofrimento ou da alegria que conduzem a vida”.
A primeira música do repertório é um exemplo certeiro. Gente da Minha Terra, de Mariza, maior expoente do gênero hoje, fala sobre a saudade de Portugal: “Sempre que se ouve um gemido/ Numa guitarra a cantar/ Fica-se logo perdido/ Com vontade de chorar”.
Muitos fados contam uma história — na maioria das vezes, triste. É papel da vocalista introduzi-la.
— Imaginem uma praia e, nela, uma mulher de preto vendo, bem ao longe, o barco que leva seu amado. Ela crê que ele vai voltar, mas um monte de mulheres atrás dela dizem que não vai. Ela ajoelha e canta assim — diz ela, antes de proferir os primeiros versos de Barco Negro com uma voz ao mesmo tempo suave e potente.
Quando apresenta Foi Deus, sucesso de Amália Rodrigues (“Foi Deus que me pôs no peito um rosário de penas que vou desfiando, e choro a cantar”), uma senhora na mesa do centro fala alto:
— Nessa eu choro!
Depois do show, Edna lembra que embora muita gente não tenha sequer ouvido falar, o fado é considerado patrimônio imaterial da humanidade. Tem como particularidade a capacidade de fazer as pessoas se emocionarem mesmo.
— É uma música que te toca muito, bate na alma da gente. Por isso é difícil encontrar bons cantores de fado, eles precisam cantar com a alma, é uma coisa que vem de dentro — descreve.
Aplaudido de pé pelos frequentadores, o bis foi uma música popular entre os brasileiros por causa da minissérie da Globo Os Maias: o maior sucesso do conjunto Madredeus, O Pastor.
Foi a interpretação favorita do administrador Ricardo Ribeiro, 48. Vindo há 10 anos de Aveiro, na costa oeste portuguesa, ele aprovou a noite de fado. Admite que surgiu “uma lágrima no canto do olho”:
— Como um português a 10 mil quilômetros da sua terra, isso aqui é nostalgia, é saudade.